Se você considerar a distância, pode parecer exagero chamar São José dos Ausentes de "cidade ao lado" de Cambará do Sul, na série que eu retomo nesta edição. Em linha reta, por estrada de chão (a ERS-020), 53 quilômetros separam as duas sedes. Desaconselhada a fazer esse trajeto, optei por uma volta imensa, via Bom Jesus, que, apesar dos 166 quilômetros, levaria quase o mesmo tempo por estrada asfaltada. Pelo menos até a zona urbana de Ausentes (na segunda vez, já se chama a cidade com intimidade), nos Campos de Cima da Serra.
Meu destino e dos meus companheiros de viagem, a Fazenda Potreirinhos, ainda estava a 33 quilômetros dali por estrada de chão bem conservada, o que resultaria em mais uma hora de sacolejos e poeira. Não estou me queixando. Vale cada centímetro rodado. E já é bom ir frisando: a atração aqui é a natureza e, portanto, é preciso optar por hospedagens rurais (no site da prefeitura, há pelo menos 15 sugestões), a maioria nos arredores do Distrito de Silveira.
Outra coisa a considerar é a duração da estadia: meus dois dias se relevaram insuficientes, não só pela distância, a dificuldade de acesso e as condições do clima, a serem observadas e respeitadas, mas pela quantidade de belezas naturais: 107 quilômetros de paredões da Serra Geral, cânions, cachoeiras, rios transparentes, elevações, florestas de araucárias, diferentes tons de verde que embaralham a visão... É que eu quis "gastar", antes, um dia em Cambará e, depois, outro em São Francisco de Paula. E aí o tempo sempre é curto.
A seguir, o que eu vi por lá, pouco ainda, porém o bastante para encher os olhos e o coração. Frio e alto, como diz a divulgação do turismo local, e, mais do que isso: bonito e inesquecível.
Cânion e Pico do Monte Negro
Eu estava a quase 40 quilômetros de distância do ponto mais alto do Rio Grande do Sul, o Cânion e Pico do Monte Negro (1.403 metros de altitude), e cometi a bobagem de deixá-lo para o último dia. Considerando o lugar da minha estada, era o melhor a fazer... É que ficou aquele gosto de que faltou muito. Paciência. A quase um quilômetro do cânion, deixa-se o carro em um estacionamento improvisado para seguir a pé por uma trilha naquela vasta planície que parece não ter fim, mas tem. Os mirantes são naturais e não há nenhuma contenção. Portanto, cuidado! O cânion está logo ali e, para mim, se relevou por meio de rolos de neblina que subiam os paredões de 700 metros de profundidade. É um movimento tão rápido, que assusta e encanta. Tive sorte por ter visto metade com e metade sem. Ah, a chance de não haver neblina é sempre bem cedo, pela manhã. Por mais que pareça absurdo, ficou para a próxima vez subir os 80 metros do pico para chegar ao ponto mais alto do Estado. A obrigação é retornar.
Desnível dos rios Divisa e Silveira
Você perceberá, estando hospedado na região, que a maioria das atrações fica em propriedades particulares que integram as Trilhas de Fazenda (cada uma muito bem sinalizada). Se estiver hospedado em alguma delas, terá acesso livre aos espaços. Se não, pagará uma taxa de R$ 10 a R$ 15 - em alguns casos, os valores são incluídos nos passeios a cavalo pela região.
Como eu estava na Fazenda Potreirinhos, a atração do quintal era o Desnível dos rios Silveira e Divisa, fácil de chegar depois de cruzar um dos rios com água pelo joelho (considere que tenho 1m54cm de altura). Difícil é explicar o cenário: os dois rios correm paralelos e, em um certo ponto, a uns 500 metros da casa da fazenda, espremem-se a cinco metros de distância um do outro, separados por paredes de rochas, e têm um desnível, o Silveira 18 metros de altura acima do Divisa. Se chove muito, unem-se por meio de pequenas cachoeiras. Com as nuvens refletidas nas águas rasas e limpas, a imagem é de embasbacar.
Não à toa, mereceu a escolha como locação do filme Coexistência, em fase de produção, e que terá Thiago Lacerda como um dos protagonistas (o ator havia gravado por ali dias antes). O que conta ainda, na Potreirinhos, não é só a paisagem: é a gastronomia (três refeições fartas incluídas na diária), a casa de madeira de 80 anos e todos os anexos bem-cuidados, as ovelhas, os cavalos e bois pastando placidamente, a horta, o pomar, e, principalmente, a acolhida da família que o deixará à vontade, sempre de olho no seu bem-estar.
Cachoeirão dos Rodrigues
Como estava a pouca distância da minha hospedagem, a opção foi cavalgar até a Pousada Fazenda Cachoeirão dos Rodrigues. Há décadas não montava a cavalo, optei pelo trajeto mais curto, fui com medo, mas fui, com a parceria de meus queridos companheiros. Aqui também a paisagem compensa os temores e, com um guia seguro para nos conduzir, eu daria o selo de tranquilo ao passeio: uma hora para ir, outra para voltar, no total. Da fazenda até a margem direita do cachoeirão, a caminhada é de pouco mais de um quilômetro na mata de onde pende a barba-de-pau e muitas árvores são tomadas de líquens vermelhos e cinzas, o que atesta a umidade e a pureza do ar.
E dê-lhe vistas para gravar na retina e na câmera do celular quase sempre sem bateria, não por improvidência - é o desejo de querer reter tudo que faz isso. O cachoeirão é uma sequência de quedas d'água com 28 metros de altura. Quem conhece bem diz que o ideal é chegar pela outra margem, de onde se tem acesso à base. Banhar-se no poço profundo não é aconselhável. Só a vista e o trajeto já valem. Medo compensado com sucesso.
Queijo serrano
Sim, ele pode ser enquadrado na categoria atração turística. O queijo serrano, produzido em 16 municípios da região tem, desde 2020, certificação de Indicação Geográfica (IG) na modalidade Denominação de Origem (DO) - em Ausentes, é considerado patrimônio cultural imaterial desde 2017. A ideia, ao chegar à Fazenda Rincão Comprido, era só comprar um pequeno estoque para levar para casa, no caminho de volta do Cânion Monte Negro. Acabei ganhando uma aula-relâmpago: da mesma forma como era produzido há 200 anos, o queijo aqui é feito com leite de gado de corte, as vacas se alimentam apenas com o pasto da propriedade (há centenas de tipos de gramíneas, muitas exclusivas da região) e, se ficam doentes, são tratadas com homeopatia. De novo, além do sabor, contou a simpatia dos proprietários. Há também trilhas e passeios na fazenda.
Em Cambará
Perdi a conta das vezes em que estive em Cambará do Sul e meus passeios se repetiram agora, já que estava com pessoas que estreavam no roteiro, mas a sensação é a mesma diante de tanta beleza natural. Os cânions Itaimbezinho e Fortaleza continuam lindos (a gestão privada iniciou em agosto passado, e melhorias nas estruturas aos poucos podem ser observadas) e o almoço e as instalações do Parador Cambará, agora com seus casulos para hospedagem, sempre surpreendem. Já as estradas, essas também continuam ruins. A novidade, para mim, desta vez, foi visitar a casa das geleias artesanais Sabores da Querência, a três quilômetros da cidade.
Em São Chico
Não dá para subir (ou descer) os Campos de Cima da Serra sem uma parada em São Chico. Desta vez, na descida, para de novo almoçar no Parador Hampel que, durante a semana, oferece uma sequência de deliciosos pratos de seu menu degustação "Dias longos, dias curtos". Vá com fome e sem pressa. Você vai querer ir até o fim e experimentar tudo.