Esta data, 30 de dezembro, tem um significado enorme para mim. Primeiro, marcou o dia da minha formatura na graduação. Era tão quente aquele dia quanto se prenuncia esta segunda-feira. Quase morremos empapados em nossas togas pretas no salão de atos da universidade, então sem ar-condicionado – a propósito, deveriam ser proibidas formaturas, casamentos e qualquer outro tipo de cerimônia do gênero no verão do nosso “forno alegre”. Eu recordo bem daquela sensação infernal, mas não me importei. Assim como meus pais não se importaram, metidos em suas roupas de festa. Como ainda é hoje, ver um filho se formar, diante de milhões de impossibilidades, era motivo de muito orgulho.
Quase uma década depois, a data passaria a me marcar por outro motivo: a morte de meu pai. Repentina e chocante para nós mas, dá para dizer, tranquila para ele. Meu pai era dos que imaginavam a própria morte. Queria que fosse sem doença prolongada, sofrimento ou dor. Morreu naquela tarde quente de 30 de dezembro, numa roda de amigos, ao lado do filho mais novo, tomando sorvete. Seria enterrado a poucas horas do novo ano. Já descrevi esta cena outras vezes: chegamos do cemitério e cozinhamos lentilhas com arroz. À meia-noite, fomos à frente da casa que ficaria vazia para sempre assistir aos fogos que se ouviam bem ao longe e uma legião de vizinhos apareceu para nos dar um abraço, como se houvesse uma combinação prévia. Não havia.
Não nos transformaremos em outras pessoas do dia 31 para o dia 1º, mas não custa tentar sermos melhores
E eu, que nunca fui uma pessoa muito Réveillon – sim, naquele tempo o mundo também já se dividia entre os que gostam/não gostam de Natal ou Ano-Novo –, me desliguei ainda mais das comemorações da data. Brindo, participo de ceias, celebro com famílias e amigos, mas não faço drama se não houver vestido branco, champanhe e pulo das sete ondinhas.
Em geral, gasto o 30 de dezembro trabalhando, como acontecerá nesta segunda calorenta. Gosto de ficar na cidade vazia, de me sentir dona dela (e, desde já, desejo sorte aos que, no meio do feriado, começam a se preocupar com o retorno pela freeway), de lembrar das coisas boas e ruins da data. Gosto até de inevitáveis reflexões de final de ano, mas me eximo dos balanços e das promessas (não vale plano de viagens, isso é outra coisa!). Gosto de pensar que o ano que vem será de mais esperança. A vida não anda fácil pra ninguém, não mesmo. Mas pessimismo também não ajuda em nada. Não nos transformaremos em outras pessoas do dia 31 para o dia 1º, mas não custa tentar sermos melhores.