
O jornalista Henrique Ternus colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
Dentre os novos prefeitos gaúchos que assumiram em janeiro, um dos inícios de gestão mais conturbados é de Gustavo Finck (PP), em Novo Hamburgo — como ele mesmo admite. Em pouco mais de cem dias no cargo, o progressista teve de lidar com um decreto de calamidade financeira para encarar dívidas de R$ 200 milhões, além de polêmicas que vão desde o corte de verbas para a orquestra de sopros da cidade até ter recebido ajuda de custo de empresários para viagens.
Finck foi eleito com 53,3% dos votos válidos, sob o slogan de mudança e depois de uma campanha cheia de promessas de melhorias na cidade. Entre elas, o agora prefeito garantiu viabilizar passagem de ônibus gratuita, construção de um viaduto em uma das principais vias da área central de Novo Hamburgo e acabar com os buracos nas ruas da cidade.
Logo no início da gestão, Finck alegou ter recebido o município com dívidas de R$ 200 milhões e iniciou uma vasta contenção de gastos, com o discurso de precisar "cortar na própria carne". Decretou calamidade financeira e teve de empurrar o prazo para que população percebesse o início das melhorias prometidas para o segundo semestre de 2026.
Entre os cortes, Finck anunciou que não conseguiria fazer o repasse dos R$ 1 milhão anual para a Orquestra de Sopros de Novo Hamburgo, que por sua vez disse não ser possível manter as atividades sem o financiamento. Até agora, a manutenção do grupo musical é uma incógnita, e o prefeito acredita que em 2025 não haverá atividades dos músicos.
Nestes pouco mais de cem dias, Finck também acumula polêmicas na gestão. Teve de exonerar dois CCs, um por suspeita de tráfico de drogas (que Finck atribui à vida privada, garantindo que não vai se furtar de demitir quem fizer coisas erradas) e outro suspeito de invadir a conta do gov.br da ex-prefeita Fátima Daudt (que o prefeito alega ter ficado comprovado que o caso não tem relação com a gestão atual).
Além disso, seu secretário de Comunicação, João Victor Torres, pediu para sair depois de três meses na função, alegando motivos pessoais. Finck reforça que não houve problemas na saída de Torres, por quem nutre amizade. Além disso, o prefeito chamou advogados de "oportunistas", manifestação que causou incômodo na OAB — caso que foi resolvido em reunião de Finck com representantes do órgão.
Mais recentemente, o evento dos cem dias de governo, na última quinta-feira (10), gerou um embaraço com o vice-prefeito, Gerson Haas (PL): ele só recebeu o convite para a cerimônia meia hora antes do início. Haas foi comunicado pelo próprio Finck minutos antes do evento, já que o vice não estava no grupo de WhatsApp em que o convite foi enviado. Na solenidade, o prefeito justificou a ausência do vice alegando que ele teria ido para casa trocar de roupa.
Gustavo Finck concedeu entrevista à coluna, na qual descreve as situações financeiras particular e do município, fala dos principais desafios para a gestão atual e comenta as polêmicas de início de mandato:
Cem dias de governo
Como o senhor avalia os primeiros cem dias de governo? Qual o panorama atual da cidade?
Foram cem dias de muitos desafios, de aprendizados necessários. Herdamos uma dívida de mais de R$ 200 milhões que precisamos quitar, e tudo o que estava sendo planejado para o início do mandato foi necessário usar para pagar contas da gestão passada desastrosa. Sabia do compromisso, mas não sabia que o problema era tão grande. Tenho certeza de que as contas de 2024 não serão aprovadas. Recebemos a prefeitura realmente com a situação muito crítica, sem fluxos e sem uma organização para a cidade respirar novos ares para o futuro.
O senhor fez viagens à Ásia e a Brasília. O que trouxe de prático para Novo Hamburgo?
Na Ásia, destaco a importância do relacionamento com os secretários e inclusive com o governador. Estou colhendo esses frutos agora para conseguir fazer o desassoreamento dos arroios e concluir a obra do dique. Também teve empresas que nos procuraram para Novo Hamburgo ser um polo de desenvolvimento econômico. Tem empresa de ônibus elétricos da China que quer Novo Hamburgo como uma cidade modelo da eletrificação da frota da cidade. Estamos organizando para o segundo semestre uma viagem à China, para ver esses produtos desenvolvidos e viabilizar a frota 100% eletrificada para Novo Hamburgo.
Calamidade financeira
Como está a situação da calamidade financeira?
Não quitamos ainda o mês de dezembro. Novo Hamburgo corre risco de colapsar no mês de junho. Temos um déficit mensal de R$ 13 milhões. Não temos recursos para fazer investimento. Não temos um contrato ativo de asfalto. O que está projetado para entrar da taxa de recolhimento de lixo junto com os parcelamentos do IPTU é R$ 8,6 milhões, mas o serviço custa R$ 13 milhões no ano. A gestão anterior raspou todos os fundos municipais existentes para poder pactuar dívidas. É um grande exemplo de má gestão.
Como pretende resolver essa situação e cumprir as promessas de campanha?
Prefeitura é maratona. Temos que sanar os erros do passado e planejar o futuro para poder executar não só as promessas de campanha, que são compromissos com a nossa cidade. Já iniciamos ações, como o projeto para o centro de diagnósticos ao lado da UPA de Canudos. O novo prédio da oncologia depende de articulação política. Já conversamos com a secretária da Saúde Arita Bergmann e a Universidade Feevale, que vai doar o projeto arquitetônico.
Ajuda de empresários
Sobre a viagem à Ásia, o senhor mencionou ajuda de empresários. Pode detalhar isso?
A gente fala da ajuda de empresários, mas são amigos. São pessoas que querem me auxiliar. Tem até prefeito da região que me ajudou com mil reais. São incentivos. Não é nem pelo valor que foi me ajudado, mas pelo gesto. Um prefeito me ajudar com mil reais mostra que a gente está no caminho certo. Estou pagando ainda (viagem à Ásia). Foi um dos melhores investimentos que eu fiz para mim como pessoa, sabia da importância de estar presente lá junto com o governo do Estado.
Mas essa ajuda de prefeitos, de amigos, foi só para essa viagem para a Ásia? Não teve outras situações?
Não, as pessoas acham que são milhões, que são empreiteiras, que são construtoras, isso não existe, não tem nem relação comigo. A minha vida é sempre muito às claras. Nunca tive dinheiro para fazer nada, eu sempre aluguei o meu carro, eu não tenho condições financeiras, a minha campanha para vereador foi muito pesada. Eu passava fome para fazer a campanha, e muita gente achava que eu vinha de uma família rica, porque meu pai era vereador, mas não sabe realmente o que se passa na minha casa. Minha esposa teve que vender o carro dela para me ajudar financeiramente, para a gente poder sobreviver.
Nunca tive dinheiro para fazer nada, eu sempre aluguei o meu carro, eu não tenho condições financeiras, a minha campanha para vereador foi muito pesada. Eu passava fome para fazer a campanha.
Mas o senhor como vereador por quatro anos e agora prefeito tem salário elevado (um vereador em Novo Hamburgo ganha cerca de R$ 13 mil, e o prefeito R$ 26 mil). Falar em dificuldade não soa fora de tom?
Só que ninguém sabe que antes de concorrer a vereador fiquei 12 meses desempregado, que isso acumulou despesas junto à minha esposa, recursos que o meu sogro e minha sogra me ajudavam, eu tinha contas do passado de ter fechado uma empresa e devia impostos. Fui aos pouquinhos ajustando. A minha vida sempre foi com dificuldade, e o meu salário não era só para viver, tinha que pagar contas da minha vida que eu fiquei desempregado por muito tempo. O salário de prefeito é um salário bom, não tenho que reclamar, mas são ajustes que a gente tem que fazer na nossa vida pessoal.
Orquestra de sopros
Como está a situação da Orquestra de Sopros? O senhor tem atuado para viabilizá-la?
Sabemos da importância, mas não tínhamos condições de pagar os R$ 900 mil que a orquestra adulta precisava. A opção foi manter os sete núcleos da orquestra jovem para deixar as crianças nesse importante projeto que é realizado. A entidade disse que é muito difícil de captar recursos com empresários, que não tinha projeto aprovado e que precisaria de um tempo. A secretária estadual de Cultura se colocou à disposição, nos solicitou um aporte financeiro para os próximos três meses. Grandes empresas estão procurando a prefeitura para auxiliar na captação. O município se colocou à disposição para tentar de alguma forma viabilizar os recursos.
O senhor acredita que tem como viabilizar a orquestra?
Em 2025 não tem como manter a orquestra. Nós fizemos esse aceno para auxiliar, a pedido da Secretaria Estadual de Cultura, em três meses, mas manter a orquestra como era ano passado não tem como. Nós temos grandes leis de incentivo à cultura e nós temos que saber otimizar os recursos públicos.
Qual o papel que a cultura tem no seu governo?
A cultura tem um papel fundamental, assim como é a educação e como é a saúde pública. Eu falei que nos primeiros meses, no primeiro ano de mandato, a prioridade número um é organizar a saúde e a educação. Não se pode gastar dinheiro público quando a gente tem outras prioridades na cidade. E a cidade, hoje, tem inúmeras prioridades (mais importantes) do que fomentar shows artísticos, campeonato da várzea, de skate, do que fazer uma festa de aniversário, do que ter uma Páscoa. É assim que a gente projeta a cidade. Eu não me escondo, não tenho vergonha e não tenho medo de falar isso. Nós temos prioridades e espero que a partir do segundo semestre de 2026 a gente já comece a fazer os investimentos em todas as áreas da cidade.
A cidade, hoje, tem inúmeras prioridades (mais importantes) do que fomentar shows artísticos, campeonato da várzea, de skate, do que fazer uma festa de aniversário, do que ter uma Páscoa.
Cenário político
Como está a relação com o seu vice e com os outros poderes?
A gente tem uma relação muito boa com todos os vereadores. A minha relação com o vice é muito boa. Ele aceitou um desafio muito grande para estar junto comigo, para poder recuperar a cidade. O Gerson é um empresário consolidado aqui na nossa cidade e a gente se dá muito bem, a gente se completa. Eu sou o jovem que quer fazer as mudanças e o Gerson é o empresário que tem as relações na nossa cidade, com os grandes empresários e são esses grandes empresários que estão ajudando a cidade também a se reconstruir de uma forma muito colaborativa.
Quais os principais desafios da prefeitura a partir dos cem dias?
O principal desafio da nossa gestão é organizar o fluxo de caixa. Mas o que é urgente na cidade de Novo Hamburgo é a melhora no atendimento da saúde pública. Não temos mais como administrar um hospital municipal que atende a demanda de 20 municípios e que somente o município de Novo Hamburgo aporta mais de 56% do valor do hospital. Isso está completamente errado. Ou os municípios nos ajudam, o governo do Estado nos ajuda ou nós temos que cortar essas referências.