
Todos queremos pagar menos impostos, certo? Mas também queremos os melhores serviços públicos de saúde, segurança, educação e outros tantos que são de responsabilidade do Estado em suas três esferas — e até dos que não são. Dez em 10 brasileiros acham que pagam mais do que recebem em troca, até porque estamos longe de ser uma Suécia ou uma Dinamarca. A maioria de nós concorda que os governos não deveriam gastar mais do que arrecadam, porque isso provoca déficit e o custo recai sobre o cidadão, na forma de juros altos.
A divergência começa quando se pergunta o que cortar para garantir o equilíbrio fiscal. Não vale responder "as viagens da Janja e dos seus assessores informais", porque esses valores são irrisórios. Fariam diferença na imagem do presidente, mas não mexeriam um risco na redução do déficit. Claro que sempre há pequenas despesas que podem e devem ser cortadas, mas aqui precisamos encontrar as grandes.
Comecemos pelas emendas parlamentares. São R$ 50 bilhões. Dinheiro que deputados e senadores distribuem como se fosse deles, atendendo aos interesses de seus redutos eleitorais. Falar em cortar as emendas é declarar guerra ao Congresso, do qual o presidente é refém.
Empresários sugerem que se corte o Bolsa Família, alegando que o benefício estimula as pessoas ao ócio. São 20 milhões de pessoas beneficiadas. Eram 21 milhões no final de 2022. São pessoas que vivem na linha da pobreza ou abaixo dela e que o senso comum dos contrários diz que “não querem trabalhar, porque vagas existem”.
De fato, o desemprego é baixíssimo e as empresas têm dificuldade para preencher vagas — em geral as que exigem maior qualificação, coisa que os beneficiários do Bolsa Família não têm. Boa parte são mulheres com filhos, que não encontram creche em tempo integral para poder trabalhar. Há desvios? Sim, e volta e meia uma auditoria descobre pessoas que não se encaixam nas regras recebendo o benefício. Cabe às prefeituras, que fazem o cadastro, e ao governo federal, que tem como cruzar diferentes bancos de dados, fazer a depuração.
Outra corrente quer o corte do Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos e pessoas com deficiência. Seria justo aumentar o contingente de pessoas vivendo da mendicância, se já não têm condições de trabalhar?
Quem recebe benefícios sociais sugere que se corte as isenções fiscais concedidas a setores e regiões com poder de barganha. Gritaria geral, alertas de desemprego, queda do PIB, fechamento de fábricas, tragédia social.
“Reduz o quadro de funcionários públicos”, sugere um outro grupo que desconhece a legislação que garante estabilidade. Restam os cargos de confiança que, sim, poderiam ser enxugados, mas também não mexem os ponteiros do déficit. “Congela os salários”, completam vozes que abominam a máquina pública, ao mesmo tempo em que pedem mais segurança.
E as carreiras jurídicas, sobre as quais o Executivo não tem poder? O Judiciário cria penduricalhos, ressuscita direitos questionáveis, com juros e correção monetária, e o efeito cascata se espalha pelos diferentes tribunais, Ministério Público, Tribunais de Contas e alguns até nas Defensorias Públicas.
No momento em que se discute a gastança do governo e se repete o mantra de que é preciso cortar, cortar e cortar despesas, produtores rurais pedem a renegociação das dívidas, para pagamento em 20 anos, alegando sucessivas safras frustradas por causa de problemas climáticos.
Ah, o clima! Quando não é enchente, é a estiagem. De onde vem o dinheiro do socorro? Dos impostos, naturalmente. Os voluntários foram imprescindíveis na hora de salvar vidas na enchente de maio no Rio Grande do Sul, mas não substituem o Estado nas obras de prevenção às cheias, na reconstrução de estradas e pontes, na aquisição de casas para os desalojados. Aliás, todos reclamamos, com razão, da demora na construção das casas.