
A prometida transparência das emendas parlamentares, que parecia estar garantida com a cobrança do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o acordo com o Congresso ficou pelo caminho. A versão popularizada da célebre frase de Tomasi di Lampedusa, autor de Il Gattopardo (O Leopardo), parece escrita para resumir o que restou das promessas de acabar com o orçamento secreto: "Algo precisa mudar para que tudo continue como está".
A frase inteira de Lampedusa é ainda mais emblemática: "A não ser que nos salvemos, dando-nos as mãos agora, eles nos submeterão à República. Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude".
Seria republicano dar transparência total às emendas parlamentares e a todos os gastos públicos, incluindo os cartões corporativos da Presidência da República. Mas um conluio entre parlamentares de esquerda e de direita garantiu a transparência pela metade no caso das emendas parlamentares.
O PL e o PT, que em geral ficam em lados opostos nas votações, nessa deram-se as mãos para salvar os interesses corporativos. No lado contrário, só os partidos pequenos e sem poder, como PSOL e Novo, que também têm poucos pontos de convergência.
As emendas parlamentares, mesmo que transparentes, são uma deformação do Orçamento. Servem para garantir a permanência de quem se elege, usando dinheiro público em seu reduto eleitoral com máquinas, quadras de esporte, estradas e pontes — algumas construídas para atender aos interesses do parlamentar em questão ou para turbinar a gestão de parentes ou companheiros que se elegem prefeitos.
Deputados e senadores costumam alegar que só eles conhecem a realidade dos confins de um país continental como o Brasil e, portanto, sabem mais do que o Ministério da Saúde, da Educação ou dos Transportes sobre o que deve ter prioridade. Logo, faltam recursos para políticas públicas universais.
Esse é apenas um dos problemas. O mais preocupante são os indícios de corrupção na distribuição desses recursos, pelo pagamento de propina por parte dos fornecedores de produtos ou serviços. Um ex-deputado que encerrou a carreira mesmo tendo a reeleição garantida viu o suficiente nos seus anos de Câmara para afirmar que o orçamento se mantém porque os parlamentares querem o "extra-orçamentário", dinheiro com o qual financiam campanhas ou melhoram o padrão de vida.
As emendas impositivas são nominais: é possível saber quem mandou quanto para quem ou para que obra. Já as "secretas" ficam nesse limbo, impedindo a fiscalização efetiva do destino do dinheiro público e, portanto, deixando a porta aberta para o superfaturamento.