O jornalista Henrique Ternus colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
Prefeito eleito de Canoas, Airton Souza (PL) é alvo de uma ação por suspeita de ter desviado R$ 60 mil do dinheiro destinado à campanha eleitoral para compra de votos e pagamento de dívidas pessoais. Metade do valor seria destinado à fabricação de camas, que seriam doadas a eleitores em troca do voto no candidato liberal.
Segundo a ação, protocolada pelo partido Avante, o esquema foi articulado com os irmãos Jaime Maldini, responsável pela fabricação das camas, e Jones Maldini, que faria a entrega do mobiliário para os eleitores. Os votos seriam captados para Airton Souza e o então candidato a vereador Heider Couto (eleito com 2.247 votos). Os irmãos teriam recebido R$ 30 mil do fundo eleitoral para o serviço.
Quem relatou o esquema foi o próprio Jaime, que procurou o advogado Valdir Florisbal Jung e prestou declaração firmada em cartório relatando o caso. Jaime depôs sobre o caso na Polícia Federal, em Porto Alegre, no início da tarde desta quarta-feira (18).
De acordo com Jaime, a articulação para compra de votos e desvio foi feita por Carlos Renato de Jesus Alves, conhecido como Renato “Furacão”, que aparece como prestador de serviço de estrutura sonora de Airton Souza na prestação de contas da campanha. A declaração dá conta de que Carlos Renato é quem recebia os valores da campanha do prefeito eleito e repassava para os irmãos Maldini. Em 23 de agosto, recebeu R$ 60 mil da campanha de Airton.
"Os pagamentos pelas camas seriam feitos pelo Renato Furacão com recursos oriundos do Fundo Eleitoral no valor total de R$ 30.000,00, que foram depositados pela campanha do Airton no CNPJ de Renato Furacão, na seguinte foram: dois pixes para mim cada um no valor de 4.000,00 e o restante foi entregue em dinheiro em espécie para o meu irmão Jones, para ocultar práticas ilícitas relacionadas à legislação eleitoral", diz trecho da declaração da Jaime Maldini.
Ainda de acordo com Jaime, o acordo previa que, em caso de vitória, Airton "concederia uma quantia adicional em dinheiro, bem como cargos em seu governo". No relato, o fabricante das camas diz que o acordo foi rompido em 26 de outubro, após publicar em um vídeo na rede social "Chama Canoas" com críticas ao prefeito eleito.
"Após a publicação do vídeo, Airton Souza enviou uma mensagem ao meu irmão, Jones Maldini, com a seguinte afirmação: 'Acordo quebrado'", disse Jaime no depoimento.
Em 2020, Jaime Maldini foi candidato a vereador em Canoas pelo Avante, mas reuniu apenas 245 apoiadores e não foi eleito. Neste ano, não disputou o pleito. Em 2021, foi diretor no gabinete do atual prefeito Jairo Jorge.
Camas para atingidos pela enchente
Na página do Instagram Chama Canoas, há diversas publicações que mostram tanto partes da fabricação quanto a entrega de camas de madeira recém fabricadas a pessoas de baixa renda que foram atingidas pela enchente de maio. As postagens são todas feitas no modo collab (quando o post é feito em conjunto) com a página "Povo Pelo Povo Oficial".
No depoimento firmado em cartório, Jaime Maldini afirma ser o administrador do perfil na rede social. São diversos vídeos em que o irmão Jones aparece entregando as camas para pessoas em situações precárias após a cheia histórica que atingiu Canoas. Em nenhum deles Airton Souza é citado ou há qualquer referência política.
Pagamento de dívida pessoal
Outros comprovantes de transferências bancárias apresentados na ação do Avante demonstram o pagamento de R$ 19 mil, em duas operações separadas. As movimentações foram feitas por Carlos Renato para o assessor de bancada do PL na Câmara de Vereadores, Neivelton Silveira de Freitas.
Segundo o depoimento de Jaime Maldini, o valor teria sido posteriormente devolvido a Airton Souza, que utilizou o montante para "pagamento de uma dívida pessoal".
"De acordo com as declarações firmadas pelo declarante Jaime Maldini, o referido valor foi apurado pela emissão de uma nota fiscal de serviços por supostos trabalhos que (Carlos Renato) teria realizado na campanha eleitoral, mas que não foram realmente realizados, mas que serviram para que esses valores fossem devolvidos a Airton Souza. Parte do valor referente à nota fiscal foi devolvido a Neivelton, assessor de Airton, outra parte entregue diretamente a Airton, e o restante destinado a Jaime e Jones, para novo pagamento das camas que foram entregues a eleitores em troca de votos", finaliza a ação.
Contrapontos
Em nota, o prefeito Airton Souza diz a ação "é ancorada em um depoimento que não condiz com a verdade", e lamentou "a profusão de denúncias após a conclusão do pleito" (leia a íntegra abaixo). Desde sábado (14), o prefeito eleito está hospitalizado em recuperação de um procedimento cirúrgico.
Carlos Renato de Jesus Alves informou à coluna que estava em um evento e daria sua versão em um momento oportuno. Disse que "não autoriza" a veiculação do seu nome, e que quem o fizesse responderia na Justiça.
Também questionado, Neivelton Silveira de Freitas afirmou que não sabe do que se trata o caso.
Heider Couto, citado apenas como um dos candidatos para quem os eleitores estavam sendo cooptados a votar em troca das camas, disse que "não faço ideia que ação é essa, não tenho nada a ver com qualquer irregularidade".
O espaço segue aberto para manifestação e contraponto dos envolvidos.
Nota do prefeito eleito
"Sobre a ação movida pelo Diretório Municipal do Avante, o prefeito eleito Airton Souza esclarece:
1. A ação movida pelo partido Avante, que integrou a coligação do candidato derrotado Jairo Jorge, é ancorada em um depoimento que não condiz com a verdade e, justamente por isso, não possui qualquer prova que se sustente.
2. A profusão de denúncias após a conclusão do pleito tem se revelado uma prática lamentável do grupo que atualmente comanda o município, com o claro objetivo de tumultuar o processo de transição e desrespeitar o resultado das urnas. O próprio Avante tentou a suspensão da diplomação da chapa eleita, em ação recentemente arquivada pelo Tribunal Regional Eleitoral. A diplomação não só foi confirmada, como ocorreu nesta quarta-feira, em ato organizado pela Justiça Eleitoral de Canoas.
3. Absolutamente todas as despesas de campanha foram declaradas em prestação de contas entregue e aprovada pela Justiça Eleitoral.
4. Superado o processo eleitoral, nossa atenção está voltada tão somente à formação do governo, que a partir de 1° de janeiro terá a missão de reconstruir a cidade e devolver a qualidade de vida aos canoenses."