A ferida aberta em Santa Maria com a tragédia da boate Kiss foi reavivada nestes 10 dias de julgamento dos quatro réus denunciados pelo Ministério Público e não cicatrizará com a condenação de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão. Para as famílias, que há nove anos clamam por Justiça, foi como derramar álcool sobre um ferimento que jamais vai se curar.
Os quatro deveriam ter saído presos do tribunal, segundo a sentença do juiz Orlando Faccini Neto, mas um habeas corpus preventivo concedido pelo desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, garantiu que todos fiquem em liberdade por mais algum tempo. O habeas corpus foi concedido a pedido do advogado Jader Marques, representante de Elissandro, justamente o que teve a pena mais alta. Vendo que seu cliente seria condenado, Jader se antecipou. Foi como fazer cair sobre as famílias fragilizadas uma chuva de granizo com pedras imensas e pontiagudas.
Imagens exibidas durante todo o júri chocaram quem não estava lá naquela madrugada de 27 de janeiro de 2013, nem testemunhou a hecatombe que transformou Santa Maria numa sucursal do inferno. Sons eternizados em gravações encontradas nos escombros ecoarão para sempre nos ouvidos de quem perdeu um parente na flor da idade.
Pais e mães passaram mal ao reviver o pesadelo que transformou suas vidas numa noite que não tem mais fim. Revoltaram-se com depoentes e advogados, viraram as costas, deram-se as mãos, abandonaram a sala. Até o juiz Orlando Faccini Neto, sereno e firme na condução do júri, em alguns momentos embargou a voz, fez silêncios ensurdecedores e emergiu das pausas com o semblante tenso. Jornalistas e fotógrafos calejados que cobriram dia a e noite os depoimentos das testemunhas e dos réus verteram lágrimas e encerraram seus turnos exaustos emocionalmente.
Desde o início se sabia que, fosse qual fosse o veredito, país e mães sairiam com a sensação de que se fez justiça pela metade. Que os quatro que sentaram no banco dos réus são apenas parte da cadeia de ações e omissões que resultou na morte de 242 pessoas e sequelas físicas ou psicológicas em centenas.
Para que nunca mais aconteça, é preciso que o julgamento tardio ensine alguma coisa às autoridades envolvidas com licenciamento, fiscalização, termos de ajustamento de conduta, plano de prevenção contra incêndio e tudo o que envolve não só as casas noturnas, mas qualquer prédio residencial ou comercial.
Como foi possível os bombeiros fornecerem um laudo atestando a segurança de uma boate sem saídas de emergência, sem sinalização, sem janelas? Como foi possível o Ministério Público ter determinado que os donos da Kiss resolvessem o problema da acústica e não se preocupado em conferir como o problema foi resolvido? Como foi possível os fiscais da prefeitura aplicarem multas por outros problemas e nunca se preocuparem com a arquitetura daquela arapuca? O ex-prefeito Cezar Schirmer, no depoimento, disse que a responsabilidade por atestar a segurança era exclusiva dos bombeiros, conforme leis municipal e estadual.
Assim que houve a tragédia, deputados e vereadores correram a propor leis mais rígidas para evitar que casos como o da Kiss se repetisse. Algumas, feitas para inglês ver. Outras, abrandadas diante da convicção posterior dos legisladores de que eram excessivamente rígidas. Quantas casas noturnas Brasil afora ainda controlam o ingresso para que não exceda a capacidade do alvará? Quantos estabelecimentos estão com a vistoria em dia? Será que todos têm saídas de emergência devidamente sinalizadas? São perguntas que precisam ser respondidas para que a tragédia de Santa Maria não se repita.
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