No fim de semana de 15 de novembro floresceu pela primeira vez uma orquídea que chegou à casa do Parque Eldorado medindo menos de cinco centímetros. Era presente do querido colega Henrique Erni Grawer, revisor que sabia tudo de gramática, de flores e de gentileza. Ele me trouxe três mudinhas de Novo Hamburgo e as coloquei em árvores para que crescessem. Como não nos vemos desde que a pandemia começou e de um dia para outro passamos a trabalhar em casa, mandei a foto para o Erni, que me respondeu assim:
— Já duas! Que alegria! Aproveitando, tinha que te falar do cactário Horst, em Imigrante. Lis Aline deu a dica, quando falávamos sobre suculentas. Falaste dia desses no rádio em ir ao Cristo Protetor. Observei que, tendo-se Lajeado como base, os dois passeios ficam à mão. (Mapa dos caminhos traz algumas cascatas nos trajetos. Bom para o verão.) Quem conhecer primeiro conta para o outro.
Na nossa troca de mensagens, falamos de saudade e da expectativa de voltar à redação. Erni disse que tinha um certo medo do "ambiente hospitalar" e me contou que numa conversa com a colega Ana Karina brincou que “deveríamos trabalhar uns na casa dos outros para matar a saudade”.
Nunca mataremos a saudade, nem falaremos de orquídeas e jabuticabas, nem poderei mandar mensagem no dia de Natal, cumprimentando pelo aniversário. Porque o Erni se foi nesta sexta-feira nublada, com a mesma discrição que marcou sua vida. Teve um mal súbito, foi socorrido, mas não resistiu. Morreu um mês antes de completar 60 anos.
No meu aniversário, em 5 de agosto, ele escreveu assim: “Dia de reafirmar: votos de muitos anos de vida. Que seja longa, sem perderes a característica jovialidade. Para manter parte da tradição, comerei um pedação de torta daqui a pouco. Beijo”.
A torta era uma tradição no tempo em que podíamos nos aglomerar na salinha que ocupei quando assumi a coluna então chamada de Página 10. Os colegas chamavam de “casinha da Mônica”, porque tenho essa mania de colocar flores sobre a mesa de trabalho e de comemorar o aniversário. Erni às vezes chegava depois dos outros, porque não gostava de interromper a revisão de uma página no meio.
Por muitos anos, me salvou das armadilhas da gramática, da minha desatenção ao teclado, do erro na grafia dos nomes próprios que parecem levar acento, mas não têm. Erni era o nosso Aurelião de carne, osso e delicadeza. Nosso Houaiss que tirava dúvidas, indicava sinônimos, falava pouco e lia muito. Acho que nunca dei a ele um presente que não fosse livro. Nas horas vagas, pesquisava sobre plantas — elo que nos ligará para sempre. Compartilhávamos a paixão pelo Rio de Janeiro e sempre que um voltava, contava ao outro sobre as novidades.
Não irei me despedir do Erni. O corpo já não é nada. Dele prefiro guardar a lembrança da figura discreta por trás dos óculos no fundo da redação.
O velório de Henrique Erni Grawer será na Funeraria Krause, em Novo Hamburgo, na capela C (Rua Santos Pedroso, 155), das 9h às 16h30min deste sábado. O sepultamento ocorrerá no Cemitério Municipal de Novo Hamburgo.