A primeira vez que ouvi falar em Dia das Crianças foi quando a professora Celmira, minha mestra nos primeiros cinco anos de escola, fez bolachas e deu a cada um de seus alunos como presente no dia 12 de outubro, que naquela época não era feriado. Na minha infância pobre, não ganhávamos presente nem no Natal ou no aniversário, imagine-se então no Dia das Crianças. Essa ausência de brinquedos de loja não impediu a mim e a meus irmãos de termos uma vida alegre e criativa, coisa que pode parecer impossível a quem nasceu cercado de templos de consumo.
Minha "casinha" era apenas um espaço limpo no meio do erval, onde plantei o primeiro jardim. Cuidava dos canteiros com esmero e por muitos anos depois de ter saído de casa para estudar, as flores rebrotavam depois do inverno ou nasciam das sementes que caíam na terra. Meio século depois, plantar é um dos meus hobbies. Vidros de remédios viraram vasos, pedacinhos de madeira se transformavam em armários, e brincávamos depois do almoço, entre o turno da escola e o trabalho na roça.
Minha primeira boneca se chamava Elenice. Não era exatamente um boneca, mas uma trouxinha de lã de ovelha envolvida num retalho, para formar a cabeça, e um pano colorido enrolado para que parecesse o corpo de um bebê em seus cueiros. Quando tive a primeira boneca de plástico, já sabia fazer tricô e produzi uma saia cor de rosa com restos de lã.
Jogávamos com bola feita de porongo ou de panos costurados de forma precária, corríamos pelo gramado até cansar e tomávamos banho de rio nos verões da nossa aldeia. Meu brinquedo preferido, no entanto, era outro depois que, aos cinco anos, comecei a brincar de escola. Era a professora que à tarde ensinava aos irmãos menores o que aprendia de manhã. Na falta de quadro ou cadernos, escrevia a carvão nas paredes do galpão.
A falta de brinquedos de loja não nos tornou infelizes, mas sempre que chega o Dia das Crianças me comovo com esses meninos e meninas de vilas que têm contato com tudo o que a modernidade oferece e ficam a sonhar com bonecas que falam, bolas oficiais, camisetas de times de futebol, carrinhos que custam uma pequena fortuna, celulares e equipamentos para jogos eletrônicos. Os tempos são outros, mas tenho a sensação de que ninguém mais quer brincar de escola, talvez porque ser professora deixou de ser o sonho das meninas.