Em outubro de 2018, a mãe de uma querida amiga saiu de casa no bairro Petrópolis para votar e foi interpelada por uma vizinha sobre quem era seu candidato. Ao responder que votaria em Eduardo Leite, a senhorinha ouviu da outra uma frase reveladora do quanto a homofobia está entranhada na sociedade gaúcha:
— Vais votar nesse rapaz? Mas ele é gay!
Do alto dos seus 70 anos, a mãe da minha amiga respondeu:
— E daí, qual é o problema? Eu sou viúva, mas não quero casar com ele. Vou votar para governador.
Mesmo com publicações de mau gosto sobre sua sexualidade correndo nos subterrâneos das redes sociais, Leite venceu e, aos 33 anos, tornou-se o mais jovem governador do Rio Grande do Sul. Assim que admitiu concorrer a presidente, estimulado por um grupo do PSDB, recomeçaram as insinuações, as piadas grosseiras e os ataques diretos, puxados por legítimos representantes do que a política tem de mais baixo, caso do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente — ou dono — do PTB.
Por sair em defesa de Leite, o vice-governador Ranolfo Vieira Júnior foi atacado por Jefferson. Em solidariedade, outros integrantes do partido se afastaram, ainda que a maioria só vá formalizar a saída em março, para não perder o mandato. Além de implodir o PTB no Estado, a grosseria de Jefferson poderá custar caro: ele foi denunciado criminalmente por homofobia pelo Ministério Público e responde a ação civil por danos coletivos de R$ 500 mil. Uma eventual condenação poderá servir de lição a outros políticos que desconhecem o significado da palavra respeito, tão essencial nestes tempos de intolerância.
Para além da repercussão política, o gesto de Eduardo Leite, ao revelar que é gay, precisa ser visto na sua dimensão humana. Nas redes sociais, o assunto se mantém em alta no momento em que escrevo esta crônica, a maioria com mensagens de apoio. Mas não só. À solidariedade com a pessoa que decidiu tornar pública sua condição de homossexual e enfrentar o dedo em riste dos juízes da moral alheia, misturaram-se críticas de uma certa esquerda que se considera dona da verdade e das causas justas e, assim fazendo, igualou-se aos trogloditas que combate.
Leite foi acusado de oportunismo político por só ter admitido publicamente aquilo que para os amigos e para a família não era segredo. Quem, a não ser a própria pessoa, pode saber a hora em que está preparado para as consequências de tornar públicas questões de sua intimidade? Foi um gesto de coragem que a esquerda dita defensora dos oprimidos deveria aplaudir e respeitar, como fizeram alguns de seus líderes, entre os quais o ex-governador Olívio Dutra, a deputada Maria do Rosário e a ex-deputada Manuela D’Ávila, em vez de se apequenar como um Jean Wyllys.
O mundo seria melhor se cada um vivesse a sua vida e parasse de tentar impor sua verdade. Ninguém escolhe ser gay, mas ainda há quem fale em "opção sexual", como se fosse possível decidir ser ou não ser.