Para usar uma das metáforas preferidas do vocabulário usual do cercadinho em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro casou-se com o centrão. Casamento de interesses, como aqueles se antigamente, em que o amor entre os noivos ficava em segundo plano, mas Bolsonaro caprichou na pantomima. Além de se declarar integrante do centrão desde os tempos em que era deputado, desmanchou-se em elogios ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), novo chefe da Casa Civil.
Como nos casamentos de novela, os personagens passam o mata-borrão no passado de desavenças para apostar no futuro luminoso. Bolsonaro esqueceu o que disse sobre o centrão na campanha de 2018. Passou a borracha nos trechos da biografia de Ciro que não lhe convêm, como ter sido aliado de Lula e Dilma Rousseff e apoiado Fernando Haddad em 2018. Ciro deixou para trás o que pensava do novo chefe, a quem já chamou de fascista em 2017, para assumir o que o presidente define como seu “principal ministério”. Um cargo que concentra mais poder do que meia dúzia de ministérios juntos, porque decide sobre cargos, emendas prioritárias e articulações.
Bolsonaro diz a mais pura verdade quando se confessa integrante histórico do centrão, embora misture datas e fatos. O centrão raiz nasceu em 1985, ainda no governo de José Sarney, e não “quando vários partidos se uniram para apoiar Geraldo Alckmin”, em 2018. Os líderes mudaram, mas a essência é a mesma: políticos cujo lema não escrito é “se há governo, sou a favor”.
Por que o presidente entregou os anéis ao centrão e a Casa Civil a Ciro Nogueira? Por necessidade de sobrevivência imediata. No curto prazo, para afastar o fantasma de um impeachment, que só prospera quando o presidente da Câmara aceita o requerimento, as ruas pedem e o presidente não tem maioria. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é um dos próceres do centrão. As manifestações de rua contra Bolsonaro ainda não fazem cócegas nos senadores e deputados. Caso cresçam, o centrão faz o círculo de proteção.
Há outros dois fortes motivo para o casamento de conveniência: a necessidade de votos para aprovar os projetos de interesse do governo e o objetivo de amarrar o PP e outros partidos do centrão ao projeto de Bolsonaro em 2022. Porque sendo movidos a poder e já tendo participado — e se locupletado — nos governos do PT, alguns desses líderes poderiam ser atraídos pelo canto da sereia de Lula, se na hora derradeira as pesquisas indicarem que ele é favorito na eleição.
Aliás
Nos casamentos político, não existe “até que a morte os separe”. Alianças de conveniência duram até que os interesses estejam sendo atendidos. Ciro Nogueira é a prova viva de que as coisas funcionam assim. Apoiou o PT e disse que Lula foi o melhor presidente que o Brasil já teve, mas quando viu que Dilma cairia bandeou-se para o lado de Michel Temer e ajudou a derrubar a presidente eleita.