Obrigado, Sistema Único de Saúde (SUS). Quantas vezes você leu isso nas redes sociais nos últimos meses? "Obrigada, SUS" virou meu mantra a cada pessoa da família vacinada contra o coronavírus. Na sexta-feira (23), agradeci por mim, ao receber a primeira dose da Oxford/AstraZeneca. Fui a quinta do nosso núcleo familiar. Todos os outros ganharam CoronaVac. Primeiro a minha mãe, que fará 79 anos em 10 de maio e já ganhou as suas duas doses. Depois minha sobrinha Júlia, jovem estudante de Medicina, também com a imunização completa. Na sequência meu marido, 65 anos, e depois outra sobrinha, Laura, também estudante de Medicina.
As duas meninas, assim como meus filhos, só sabem o que era a vida antes do SUS por ouvir falar. Os já vacinados por idade, se não passaram os últimos anos em outra galáxia, conhecem histórias e estatísticas da vida antes do SUS. Talvez muitos achem que nunca precisaram do sistema público de saúde, ignorando que até as vacinas que protegeram seus bebês foram aplicadas pelo SUS.
Por muitos anos, o SUS foi alvo de críticas, especialmente de quem não o conhecia ou não conseguiu acesso aos seus serviços. Mesmo com suas imperfeições, e não há como ignorá-las, foi ele que garantiu o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, a redução da mortalidade materno-infantil e o acesso a tratamentos antes proibidos aos mais pobres, como transplantes e quimioterapia.
Nos anos anteriores ao SUS, a assistência médica gratuita era para quem tinha carteira assinada. Desempregados e trabalhadores rurais estavam fora do sistema de proteção. Minha família, que tirava o sustento da roça, enfrentou essas agruras: para salvar uma criança doente, era preciso vender o que tinha (às vezes a vaquinha de leite) ou contar com a generosidade de um vizinho que emprestasse dinheiro ou de um médico da cidade que cobrasse o que se podia pagar.
Antes do SUS, os cemitérios da minha infância eram repletos de túmulos de crianças. Boa parte não tinha nem existência civil: bebês morriam e eram sepultados sem registro em cartório naqueles fundos de campo. Bastava às famílias batizar em casa mesmo, para que não fossem recusadas no reino do céu.
Tantas mulheres pereceram ao dar à luz em casa, sem qualquer exame pré-natal, que só a fé em Deus e a falta de contraceptivos explicava que engravidassem. Minha mãe, que teve cinco filhos em casa, rezava para Nossa Senhora do Bom Parto, de quem tinha uma imagem pendurada na parede do quarto. Todos nascemos saudáveis, e ela saiu sem sequelas de cada parto — dois feitos por Dona Hortênsia, dois pela Mãe Tassia. Outras vizinhas não tiveram a mesma sorte.
As vacinas também não faziam parte da rotina. Tive sarampo, coqueluche, catapora, pneumonia e sabe-se lá que outras doenças de infância. Só fiz duas vacinas quando era criança: contra a varíola, que deixava uma ferida no braço, e contra a febre amarela. Nos anos 1970 conhecemos a SUCAM, que fazia a aplicação de um veneno para combater certo mosquito que, diziam, transmitia a malária. Os técnicos carimbavam “SUCAM” nas casas, e a gente achava que aquela sigla significava Superintendência de Combate ao Mosquito, mas era Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, antecessora da Funasa.