Tive uma infância de raríssimos livros, sempre emprestados, porque não tínhamos dinheiro para comprá-los, nem biblioteca na minha escola rural. Sentávamos à luz do lampião de querosene para que meu pai lesse para as crianças histórias de livros que chegavam pelas mãos de alguém que sabia do gosto dele pela leitura e do interesse de suas crianças por histórias de mundos distantes, fadas e bruxas, e de homens maus, como o terrível Barba Azul.
Os livros didáticos passavam de mão em mão, porque no dia seguinte seriam usados por outra criança. Reli tantas vezes os poemas e textos de ficção que ainda hoje, mais de meio século depois, sou capaz de recitá-los sem precisar recorrer ao Google.
Se rememoro hoje essa carência de um artigo que se tornaria tão essencial na minha vida é porque voltou à pauta a discussão sobre taxar livros não didáticos, como se fossem supérfluos. Não estamos falando de whisky, cigarro, iate ou jatinho, mas de livros, que têm imunidade tributária garantida na Constituição de 1988. E qual o argumento da Receita Federal para cobrar imposto sobre livros na reforma tributária? Que só os mais ricos leem.
O argumento é tão tosco que dificilmente esse absurdo passará no Congresso Nacional, mas convém ficar alerta, porque já se viu outros jabutis serem aprovados com argumentos distorcidos. Se o livro é caro e de difícil acesso à população carente, não será cobrando imposto que se aumentará as chances de os pobres lerem. A quem interessa um país de ignorantes, incapazes de interpretar um texto, coisa que só se aprende lendo?
Dizia Monteiro Lobato que “um país se faz com homens e livros”. Rui Barbosa, que “não é possível estar dentro da civilização e fora da arte”. Não é coincidência que os odiadores profissionais que vicejam nas redes sociais escrevam com tantos erros de português. Quem despreza a leitura jamais saberá escrever. Isso aprendi com a professora Inês Gobbi Bauermann, na primeira série do antigo ginásio, quando tinha 10 anos e precisei sair de casa para estudar.
Os livros me ajudaram a enfrentar a dor de uma separação forçada da família, única forma de seguir estudando. A tia Edit, que me abrigou, era zeladora do Ginásio Taperense e ocupava metade de uma casinha anexa. A outra metade era o paraíso: ali funcionava a primeira biblioteca que conheci, cuidada pela generosa Maninha, que, se não me trai a memória, chamava-se Rosângela. Nunca tinha visto tantos livros juntos, e meu sonho não realizado era morar na biblioteca e ler até que não conseguisse manter os olhos abertos, mas tinha outros deveres e crianças eram obrigadas a dormir cedo.
Desde que ganhei o meu primeiro salário, livros estão entre os produtos mais comprados. É o presente que mais gosto de dar e de receber. Quando meus filhos estavam na escola, estocava livros para doar nos aniversários, na esperança de que até os colegas que preferiam brincar com arminhas de pressão se interessassem por uma boa história.