Porto Alegre me conquistou aos 15 anos, quando desembarquei pela primeira vez na rodoviária que parecia imensa e senti que aqui era o meu lugar. Foi amor à primeira vista, mesmo que a visita tenha sido breve. Só comecei a conhecê-la de fato aos 17, quando passei no vestibular, desafiando todos os prognósticos de quem dizia que uma aluna de escola pública do interior não tinha como passar na PUC. Foi nesse campus que descobri o sentimento de pertencer: na Famecos, encontrei minha tribo.
Sabendo que eu precisava trabalhar, Naira Azambuja, uma colega de aula, me indicou para a amiga Ana Lúcia Pujol, que trabalhava na Esso Brasileira de Petróleo e procurava uma recepcionista/telefonista. Rápido concluí que Porto Alegre era uma cidade solidária. Duas semanas depois estava trabalhando. Aninha foi minha guia no trabalho e na vida nesse primeiro ano de dificuldades que só não foram maiores porque consegui o crédito educativo, que só teria de começar a pagar um ano depois de formada.
No primeiro ano, morava na Rua Riachuelo, numa república singular: éramos 10 em um apartamento de dois dormitórios. Dona Rosalina me acolheu a pedido de Elena Roessler, amiga que conhecia do movimento estudantil e que se comoveu ao saber que nenhuma pensão me aceitava por ser menor de idade. Porque não podiam vir a Porto Alegre assinar qualquer coisa por mim, meus pais foram ao cartório e me emanciparam. De um dia para outro, sem fazer aniversário, em março atingi a maioridade que só viria em agosto.
Porto Alegre era então uma cidade em que se podia caminhar à noite sem medo. Descia do ônibus no Mercado Público ou na UFRGS, na João Pessoa, lá pelas 23h e andava até a Riachuelo sem medo. Eram outros tempos.
Nestes 43 anos de Porto Alegre formei uma família, conquistei reconhecimento profissional, cheguei à maturidade convencida de que ter “ido embora” para Porto Alegre foi um acerto da adolescente que decidiu reescrever o destino traçado para as que nascem na roça. Dizia-se ir embora porque quem saía não voltava. Porto Alegre me acolheu e serei para sempre grata por tudo o que esta cidade me deu.
Morei em outros quatro endereços em Petrópolis e em um no Jardim Botânico até mudar para este canto onde o Rio Branco e o Moinhos de Vento se encontram, numa rua que no passado tinha o nome de Esperança. Já são 20 anos de vizinhança com o jardim do DMAE, que tenho como meu, porque sendo público é de todos nós.
É o nome da minha antiga rua a palavra que escolhi para os 250 anos de Porto Alegre. Esperança de que volte a ser acolhedora para os que chegam e se torne tão inovadora a ponto de ser notícia no mundo por coisas boas, e não por ser o epicentro da catástrofe sanitária que nos assombra ainda mais nestes primeiros meses de 2021.
Tenho esperança de que possa voltar a caminhar à noite sem medo. Esperança de que ganhem um teto as pessoas que vivem nas ruas, dormindo sob marquises. Esperança de que o Dilúvio volte a ser limpo, que o Guaíba deixe de ser um depósito de esgoto não tratado, que as pessoas deixem de jogar lixo na rua. Esperança de que, vacinados, possamos retomar nossas vidas, recriar os empregos perdidos, ver todas as crianças na escola, renascer depois depois de um ano sombrio.
Porto Alegre é uma cidade que precisa de amor. Por isso, deixo a pergunta: o que podemos nós, cidadãos, fazer por ela?