O jornalista Paulo Egídio colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço
Embora a Câmara dos Deputados tenha revertido a decisão do Senado e decidido manter o veto do presidente Jair Bolsonaro a qualquer reajuste para servidores federais, estaduais e municipais de todo o país até o fim de 2021, interpretações jurídicas que consideram que a Lei Complementar 173/20 contém brecha para a concessão de reposição salarial ao funcionalismo começam a aparecer em órgãos do setor público. No geral, o argumento é de que o texto da lei veda o “reajuste” e não a “revisão geral”, mencionada pela Constituição Federal.
A suspensão de qualquer aumento salarial aos servidores foi uma das contrapartidas exigidas pelo governo federal para conceder o auxílio bilionário a Estados e municípios - o que garantiu, inclusive, que os funcionários públicos continuassem a receber em dia ou, nos casos em que há atraso, que o parcelamento não se aprofundasse. Em sua redação, a lei proíbe a concessão “a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração”.
Ainda assim, há interpretações de servidores e orientações jurídicas publicadas que suscitam que a lei garante espaço para autorizar a reposição inflacionária para o funcionalismo.
Essa perspectiva favorável aos servidores foi apresentada, por exemplo, em um evento online promovido pelo Tribunal de Contas do Estado, na última sexta-feira (21), dedicado a analisar os reflexos da lei na área de Pessoal.
Durante sua explanação, a assessora da Consultoria Técnica do TCE, Ana Helena Scalco Corazza, disse que, como a lei trata sobre regras estatutárias, a norma deve ser analisada à luz de cada estatuto (municipal ou estadual) de servidores. Segundo ela, o vocábulo “reajuste” pode conter alguma “imprecisão terminológica”, a depender dos regimes jurídicos de cada município e de cada Estado.
— O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, através do parecer 11/2012, fez uma distinção do que é reajuste e o que é revisão geral anual. Lá está bem exposto - e é uma interpretação do TCE que vai bem ao encontro do que a lei complementar 173 dispõe - que o reajuste equivale a um aumento real, aqueles aumentos que se dão para algumas carreiras, alguns cargos individualmente. Que é diferente daquela concessão das reposições inflacionárias, ou seja, dos decréscimos do poder aquisitivo ao longo dos anos, que seria a revisão geral anual — afirmou, na transmissão.
Interpretação semelhante foi emitida pela assessoria jurídica do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) da Bahia. Em resposta a um questionamento do município de Prado, a Corte considerou que a prefeitura pode conceder a “revisão geral” aos funcionários, desde que o montante não ultrapasse a variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
No parecer, o Tribunal sinaliza que “a revisão geral anual assegurada constitucionalmente para os subsídios dos agentes políticos e para a remuneração dos servidores públicos pode ser concedida, mediante a edição de lei específica e previsão orçamentária, no período apontado no art. 21 da LRF (180 dias antes do final do mandato)”.
Também em um parecer, produzido após consulta da Associação Paranaennse de Advogados Públicos e da Secretaria Estadual da Administração e Previdência, a Procuradoria-Geral do Estado do Paraná indicou que a expressão “reajuste”, vedada pela lei, “não contempla a revisão geral anual prevista no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, como mais adiante se verá, mas sim um real aumento de vencimentos, a exemplo das 'reestruturações' para equiparação com o setor privado”.
PGE reconhece brecha
Para o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa, a Lei Complementar 173/20 não impede a concessão de reposição inflacionária aos servidores. Ainda assim, o Poder Executivo pode deixar de propor a medida quando o pagamento não for viável.
— A revisão geral anual, diferente do reajuste, tem por objetivo a recomposição do poder aquisitivo e decorre de expressa determinação constitucional, razão pela qual não se encontra nas vedações previstas Lei Complementar nº 173/20. Conforme o Supremo Tribunal Federal, porém, o Poder Executivo pode não propor revisão geral quando houver fundadas razões que inviabilizem o seu pagamento.
Sem consenso
Em direção diferente, a Procuradoria-Geral do Pará emitiu nota técnica em que sustenta que a vedação estabelecida na LC 173/20 “alcança, inclusive, a revisão geral anual prevista no art. 37, X, da CF/88”.
No Mato Grosso, o Tribunal de Contas vetou a revisão anual concedida pela Câmara de Vereadores de Cuiabá. No processo, o Ministério Público de Contas local considerou que a lei veta a revisão geral anual, pois, caso concedida, ela majoraria a despesa com pessoal.
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