A imagem mais emblemática do presidente Jair Bolsonaro na visita a Bagé não é, como deveria ser, a da entrega das chaves de um apartamento. Quem se encarregou de ofuscar o que seria o motivo principal da viagem foi o próprio Bolsonaro, ao se comportar como um camelô da cloroquina, medicamento de eficácia não comprovada no tratamento de pacientes da covid-19.
A imagem está ficando manjada e não tem nem a carga humorística daquela em parece mostrar a caixa de hidroxicloroquina a uma das emas do Palácio da Alvorada. É apenas uma representação simbólica da obsessão do presidente em vender aos brasileiros a ilusão de que não precisam se proteger porque, caso se contaminem, basta tomar a poção mágica.
Na breve manifestação à imprensa, depois da entrega das chaves das moradias populares, Bolsonaro mostrou que está levando a sério a orientação de evitar a incontinência verbal. Foi mais econômico nas palavras do que quando esteve em Pelotas em 2019 para inaugurar um trecho da duplicação da BR-116. Não fez piadas sobre a sexualidade dos gaúchos, evitou provocações e cortou a conversa quando o repórter Eduardo Matos, da Rádio Gaúcha, o questionou sobre a CPMF.
O presidente voltou a minimizar a pandemia que já matou mais de 91 mil brasileiros e deve ultrapassar a barreira dos 100 mil na primeira quinzena de agosto. Disse que lamenta as mortes, mas que todo mundo vai pegar o vírus e não há motivo para ter medo. E citou a esposa, Michelle, que recebeu nesta semana o diagnóstico positivo, quase um mês depois dele.
Questionado sobre a aposta na cloroquina, respondeu:
— Não é que eu apostei (na cloroquina). Eu estudei a questão com médicos e vi como estava sendo feito no mundo, em especial em países da África. Quando não se tem alternativa, não proíba um médico que queira usar o medicamento. Se não fosse a tentativa e erro, muitas doenças estariam até hoje existindo no mundo. Ainda não temos alternativa. O pessoal fala que não tem comprovação científica. Sabemos que não tem. Mas também não tem ninguém cientificamente dizendo que não faz efeito. É o que tem, então vamos usar. Ouvindo o médico, obviamente.
Bolsonaro, que tomou hidroxicloroquina tão logo recebeu o teste positivo, apresenta-se como a prova viva de que o medicamento é eficaz, embora a maioria absoluta dos contaminados se cure sem precisar de medicação ou tomando apenas analgésicos para a febre.
O laboratório que fabrica a hidroxicloroquina não tem do que reclamar. Está vendendo como nunca um remédio até então de uso restrito a pacientes de malária, artrite reumatoide e algumas doenças autoimunes. Com a propaganda feita pelo presidente e por políticos que identificaram no medicamento uma forma de faturar politicamente, o fabricante não precisa se preocupar com a crise que abala diferentes setores da economia brasileira.
Bagé foi escolhida a dedo para a primeira visita de Bolsonaro ao Rio Grande do Sul desde o início da pandemia. Trata-se da cidade em que, antes da campanha de 2018, o ex-presidente Lula foi literalmente corrido a relho por manifestantes antipetistas. Pouco antes da eleição, como Bolsonaro teve de suspender as viagens para se recuperar da facada que sofrera em Juiz de Fora, o então candidato a vice, Hamilton Mourão, foi a Bagé e recebeu um relho do prefeito Divaldo Lara (PTB), em claro sinal de provocação aos adversários da chapa que se sagraria vencedora.
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