A atriz Regina Duarte almoçou com o presidente Jair Bolsonaro um dia depois de ter se convencido de que seria demitida do cargo de secretária especial da Cultura. Regina tinha motivos de sobra para pedir demissão, mas ficou — pelo menos até a próxima crise.
A novela de sua participação no governo tem roteiro compatível com as histórias de ficção. Começou com o presidente fazendo a corte, estimulado pela primeira-dama, Michelle, e por militares do governo. Regina demorou para dizer o “sim” e retardou a posse porque antes precisava negociar sua saída da Globo.
Mal assumiu e começou a ser bombardeada pelos olavistas de dentro e de fora do governo, que associam cultura a marxismo, desprezam artistas e são incapazes de compreender a importância da cultura como geradora de emprego, renda e capital intelectual.
Boicotada em seus projetos, sem autonomia para escolher a própria equipe, Regina ainda não tinha dito a que veio quando a pandemia paralisou o país. Aos 74 anos, integrante do grupo de risco, a atriz achou que poderia trabalhar de casa, em São Paulo, como milhões de brasileiros estão fazendo. O chefe não entendeu assim e passou a cobrar sua presença em Brasília.
— Eu queria que ela tivesse (sic) mais em Brasília para falar mais com ela, só isso, mais nada. Eu sou também apaixonado pela namoradinha do Brasil — disse Bolsonaro.
A atriz voou para Brasília. Estava na capital federal na terça-feira (5) quando foi surpreendida pela renomeação de Dante Mantovani para a presidência da Funarte, dois meses depois de ser exonerado por ela. O maestro é aquela figura estranha que, em vídeo para a posteridade, associou o rock ao satanismo, por um caminho tresloucado que passa pelo sexo e pelo aborto. A nomeação saiu pela manhã e foi revogada à tarde, numa dessas reviravoltas novelescas que já não causam surpresa no Planalto.
Nesta quarta-feira (6), Regina foi convidada a almoçar com Bolsonaro. Não era um almoço a sós, para discutir a relação. O chefe chamou o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, a quem Regina é subordinada, e um desafeto da secretária, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo. Aparentemente, um não sabia da presença do outro.
Na véspera do almoço, Regina comentou com uma assessora — e a conversa acabou vazando para a revista Crusoé:
— Que loucura isso, que loucura. Eu acho que ele está me dispensando.
No governo, Regina praticamente sumiu. Não apareceu nem para manifestar pesar por Moraes Moreira, Aldir Blanc, Rubem Fonseca e outros que o país perdeu nestes dois meses em que ela está no cargo. Tampouco apresentou um plano de apoio à cultura, um dos setores mais afetados pela pandemia. Não se trata de socorrer atores e produtores como ela, que têm poupança para resistir à crise, mas de apoiar os milhares de anônimos que vivem da arte ou mesmo do trabalho braçal no cinema, no teatro, no circo e na indústria da cultura em geral.
Em outros países, onde a cultura é respeitada, os governos criaram programas de fomento. Nesta quarta, o presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou que o apoio aos artistas e trabalhadores da cultura será estendido até 2021.