Desde que minha condição financeira passou à categoria razoável, pego pelo menos uma dessas cartinhas endereçadas a Papai Noel, com a esperança de realizar o sonho de uma criança ou adolescente desconhecido. Fico imaginando o sorriso no rosto quando o velhinho de barbas brancas entrega o presente e isso basta para repetir o processo no ano seguinte.
Sempre dei preferência às cartinhas que pediam livros ou material escolar. Questão de afinidade. Era o que eu gostaria de ganhar se na minha infância pobre adiantasse mandar cartas a Papai Noel.
Nos últimos natais, está cada vez mais difícil encontrar criança ou adolescente que queira livros, cadernos, canetinha hidrocor, régua ou estojo. No máximo, pedem uma mochila de marca específica, bem cara. Com o mesmo dinheiro daria para comprar uma genérica e rechear com material para o ano inteiro.
Os pedidos de crianças pobres, remediadas ou ricas, ao Papai Noel (ou a papai, mamãe, tios, avós e padrinhos) são o termômetro da evolução dos sonhos de consumo. Já não se diz uma bola, um carrinho, uma boneca, um quebra-cabeças. Neste ano, pelas que passei os olhos ao procurar alguém para presentear, a febre é caixinha JBL, tênis Nike ou Adidas, chuteira da marca usada pelos craques de futebol. As meninas ainda pedem Barbie, mas cada vez menos encontro bonecas nas listinhas que vêm de abrigos ou vão para os Correios.
As crianças e adolescentes da classe média/alta que pedem presentes à família e não em cartinhas ao Papai Noel querem celulares de último tipo, mesmo que não usem 5% das funcionalidades, e, principalmente, dinheiro. Porque já têm de tudo e acham que adultos não sabem escolher presentes. Foi-se a graça da surpresa, do encantamento ao abrir a caixa, da emoção mesmo diante da árvore iluminada.
Os sonhos de consumo vão mudando ao sabor da publicidade e vai chegar a hora em que Papai Noel já não precisará de saco e trenó: as crianças pedirão direto ao www.papainoel.com e receberão o pacote em casa, embrulhado em papel pardo, sem fantasia e sem emoção. Ou ficarão de mãos vazias, esperando pela bicicleta, pelo skate e pelo patinete que não virão, porque sem a cartinha escrita à mão ou avalizada por uma instituição os doadores reais acabarão minguando.
Se você é do time que prefere doar material escolar, aqui vai uma dica: procure o Cláudio do Projeto Vó Chica, uma ONG séria, que arrecada doações e monta kits para as crianças de escolas de uma das regiões mais carentes de Porto Alegre começarem o ano com o básico que precisam para estudar. Se for mais fácil fazer a doação por transferência bancária, é possível.
Outra forma de ser solidário neste Natal é doar ate 6% do Imposto de Renda devido para instituições credenciadas no Funcriança. Em vez de entregar todo o dinheiro para o governo usar sabe-se lá como, que tal mandar essa parte diretamente para uma instituição confiável? Prefiro entregar para o leãozinho da coragem do Instituto do Câncer Infantil a ver meu dinheiro ser comido inteiro pelo leão voraz do Imposto de Renda.
Se você não sabe como funciona a doação para o Funcriança, consulte um contador ou entre no Google que ele explica. Na página da prefeitura de Porto Alegre as informações estão organizadas de forma muito didática.