Previsível desde que Michel Temer perdeu o foro privilegiado, a prisão consumada ontem não deixou de ser surpreendente e recolocou a Lava-Jato nos holofotes em um momento particularmente delicado para a força-tarefa.
Com Temer foram presos também o ex-ministro Moreira Franco, o coronel João Batista Lima, amigo dileto, e outras seis pessoas. O momento de fragilidade da Lava-Jato e o fato de as prisões terem sido decretadas pelo juiz Marcelo Bretas, do Rio de Janeiro, enseja um questionamento: há fundamento jurídico para prender o ex-presidente ou ele poderia responder a esse e outros nove inquéritos em liberdade?
Ao jornalista Kennedy Alencar, único que conversou com ele após a chegada da Polícia Federal a sua casa, Temer definiu a prisão como “uma barbaridade”.
Os juristas se dividem. Há os que defendem a prisão – e acreditam que será longa – e os que consideram espetáculo midiático da Polícia Federal, do Ministério Público Federal e do juiz Bretas, mesmo reconhecendo que os delitos atribuídos ao ex-presidente e aos integrantes de seu grupos estão embasados em provas e indícios que garantirão a condenação quando forem julgados.
Com cinco anos recém completados, a operação que prendeu empresários, executivos e políticos antes considerados intocáveis andava em baixa. Tinha sofrido um revés com a frustrada criação de um fundo de R$ 2,5 bilhões, com dinheiro de multa paga pela Petrobras nos Estados Unidos, e com a decisão do Supremo Tribunal Federal de remeter para a Justiça Eleitoral todos os processo que envolvem caixa 2, mesmo havendo crimes conexos, como corrupção e lavagem de dinheiro. A prisão de Temer recolocou a Lava-Jato nas manchetes no papel de protagonista.
Agora, a força-tarefa tem em sua contabilidade dois ex-presidentes da República presos: Lula, já condenado em dois processos, e Temer, em caráter preventivo, sem previsão de libertação, embora com chances reais de obter um habeas corpus a qualquer momento.
O elenco de figurões presos pela Operação conta com Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, e Geddel Vieira Lima, dois próceres do MDB, companheiros de Temer e de Moreira Franco em conversas regadas a Cabernet Sauvignon e uísque 12 anos. Do grupo mais íntimo de Temer, que por muitos anos comandou o MDB, só não foram presos os ex-ministros Eliseu Padilha e Romero Jucá. Depois de uma temporada na cadeia, o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves responde a processo em liberdade. Também estão atrás das grades dois ex-governadores do Rio, Sergio Cabral e Luiz Fernando Pezão, e alguns empresários. A maioria dos barões das empreiteiras e figuras como o ex-ministro Antonio Palocci cumprem pena em casa, com ou sem tornozeleira, porque fizeram acordos de delação premiada.
O Ministério Público Federal acusa Temer de ser o chefe de uma organização criminosa que opera há mais de 40 anos, o que equivale a dizer que teria usado seus mandatos de deputado, vice-presidente e presidente da República para enriquecimento ilícito.
Uma curiosidade na prisão do ex-presidente é que, assim como Lula, o inquérito em que Bretas baseou sua decisão não é o mais rumoroso nem o que envolve maiores somas em dinheiro. Temer foi enquadrado em cinco ilícitos penais: corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, peculato e associação criminosa. Quebras de sigilo autorizadas pela Justiça à época em que era presidente e estava sob a proteção do foro privilegiado embasaram a acusação do Ministério Público.
Dos 10 inquéritos em que o ex-presidente é investigado, o mais vistoso
é o escândalo dos portos, que deve render muita dor de cabeça aos envolvidos nos próximos anos. Temer também vai gastar energia e dinheiro com advogados para se livrar da acusação de envolvimento em crimes que envolvem a JBS e a Odebrecht.
Aliás
É equivocada a visão do presidente Jair Bolsonaro, de que Michel Temer foi preso por ter feito acordos políticos em nome da governabilidade. O Ministério Público acusa o ex-presidente de corrupção passiva e ativa, lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa.