Asituação política brasileira chegou a um patamar de difícil compreensão para os estrangeiros: o que no passado seria considerado um furacão de categoria 5 em matéria de escândalo político, hoje é tempestade tropical e, se facilitar, apenas um pé de vento. O caso do presidente Michel Temer ilustra bem esse caráter de trivialidade no tratamento de uma investigação de corrupção: o impacto se dilui no mar de lama e ele segue impávido, como se não estivesse na rota do furacão.
Na segunda-feira, Temer apareceu em relatório da Polícia Federal como chefe de uma organização criminosa que reuniria os principais caciques do PMDB. No dia seguinte, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou a investigação do presidente por suspeita de corrupção na área portuária. E qual é a sensação geral? De que vai dar em nada porque Temer governa com maioria no Congresso.
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O novo inquérito autorizado por Barroso em resposta a um pedido do procurador-gral da República, Rodrigo Janot, vai apurar se decreto assinado por Temer em maio deste ano foi direcionado para beneficiar a empresa Rodrimar, que opera o Porto de Santos.
A investigação deve ser focada em lavagem de dinheiro, corrupção ativa e corrupção passiva. Barroso entendeu que há “elementos suficientes para instauração de inquérito”.
Isso significa que Temer é culpado? Não. Apenas que Barroso encontrou, numa conversa do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, indícios que exigem aprofundamento da investigação. Só haverá um julgamento se a futura procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciar o presidente e se a Câmara autorizar a continuidade do processo, duas hipóteses hoje consideradas improváveis.
Embora a autorização do ministro esteja um passo adiante do relatório da PF sobre o chamado “quadrilhão do PMDB”, esse documento tem maior densidade para uma futura investigação, porque mapeia as conexões na cúpula do governo e do PMDB, cruza informações de delatores e tem na figura de Geddel Vieira Lima a materialização da propina. Até agora, não se sabe se as malas e caixas com R$ 51 milhões encontradas no apartamento emprestado por um amigo de Geddel eram dele ou de uma sociedade que a PF chama de “organização criminosa”.
Os ventos de setembro também trazem a delação do doleiro Lucio Funaro, que implica Temer nas tramoias de financiamento irregular de campanhas do PMDB. É nesse clima que o procurador Rodrigo Janot deve apresentar sua última denúncia contra o presidente da República.
Apesar das tentativas do ministro Gilmar Mendes e dos aliados do Planalto de desqualificar Janot, o procurador não dá sinais de que vai se entregar. A decisão
de Barroso e a manifestação de Edson Fachin, de que não se arrepende de ter avalizado o acordo de delação da JBS, acabam compensando o desgaste de Janot, a quem Gilmar acusou de fazer uma “gestão de bêbado”.