Envolvida com a cobertura da eleição, nem percebi que no comércio já é Natal. Felizmente (acho), ainda não começaram a tocar aquelas músicas que tornam insuportável a tarefa de encontrar qualquer coisa nas lojas. Sempre me pergunto se existe alguma pesquisa indicando que música chata ativa no cérebro do consumidor algum mecanismo que o faz comprar mais do que pretendia ou escolher presentes mais caros. Sim, porque deve existir algum motivo para a tortura a que nos submetem nessa época de estresse e correria.
Se tivesse de fazer uma eleição para música mais chata das tocadas no Natal, em qual você votaria?
( ) Então é Natal... (Simone)
( ) Jingle Bells
( ) Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel
( ) O Velhinho (Dominguinhos)
( ) Anoiteceu
Meu voto convicto e fundamentado vai para O Velhinho. Porque nada pode ser mais falso do que um refrão que diz assim:"Como é que Papai Noel/Não se esquece de ninguém/Seja rico ou seja pobre/O velhinho sempre vem/Seja rico ou seja pobre/O velhinho sempre vem".
Muito cedo aprendi que o velhinho nem sempre vem. Meu primeiro contato com Papai Noel foi uma enorme frustração. Eu devia ter uns cinco anos e minha irmã, quatro. Fomos passar o Natal na casa de uns amigos de nossa família que tinham dois meninos mais ou menos da nossa idade. Viajamos umas cinco horas, de carroça, sem qualquer expectativa para aquele passeio, porque Natal na nossa infância era um dia quase igual aos outros, exceto que a mãe e a vó faziam bolachas pintadas com claras em neve e enfeitadas com açúcar de cor.
No final da tarde, Lauro, o dono da casa, disse que iríamos conhecer o Papai Noel. Foi difícil segurar a ansiedade. Andamos por um caminho pedregoso até a igreja onde outras crianças esperavam pelo velhinho de barba branca. Ele apareceu carregando um saco nas costas e dizendo que sabia muito bem quem tinha sido obediente, quem eram os estudiosos, quem tinha sido malcriado, quem não andava rezando. Eu, que me considerava uma boa menina (e rezava todas as noites), intuí que ganharia por mérito um presente do Papai Noel, mas o saco foi se esvaziando e ... nada!
Os meninos do Lauro receberam doces de merengue em forma de relógio. Minha irmã e eu voltamos de mãos vazias, tentando entender por que só nós não ganhamos nem um pirulito. Meu pai, desconcertado, explicou que o Papai Noel não tinha como saber que estaríamos lá, naquela paróquia distante. Não engoli a desculpa: se o velhote sabia de tudo, como podia ignorar a nossa presença? Meu pai não conseguiu sustentar aquela mentira. Longe dos guris, abriu o jogo: aquele velhinho era apenas um homem vestido com roupas de Papai Noel, que entregou presentes comprados pelos pais. E nunca mais se falou no assunto.
Penso nesse refrão mentiroso quando se aproxima o Natal e as crianças de poucas posses escrevem cartinhas para o Papai Noel. Elas acham que "seja rico ou seja pobre o velhinho sempre vem". Para alguns, essa mentira vira verdade pelas mãos de pessoas que escolhem uma cartinha no Correio e se propõem a realizar o sonho de uma criança.
Em vez de ir aos Correios, peguei minhas cartinhas aqui no Diário Gaúcho, que também faz a ponte entre quem espera e quem se dispõe a doar. Escolhi uma criança que pede material escolar e uma mochila. Para minha filha, levei a carta da mãe que quer do Papai Noel um caminhão ou uns dinossauros para o filhinho de três anos, mais uma sandalinha 23/24 para o menino ir à escola. Queria mesmo ter escolhido outra carta, a de uma criança que não quer nada para ela. Seu sonho de Natal é um emprego para o pai, mas não tenho empresa e o máximo que posso fazer é indicar a fila do Sine.
Se você também quiser fazer uma criança sorrir, procure os Correios e escolha um sonho que caiba no seu bolso. Pode ser uma bicicleta ou um chinelo, um caderno ou uma cesta básica. Importante é que seja um gesto de amor.