O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Países da América Latina e do Caribe assinaram, no início do mês, a Declaração e o Plano de Ação do Chile. O documento é a terceira atualização da Declaração de Cartagena sobre os Refugiados, firmada em 1984.
A declaração garante a solidariedade, a proteção e a busca de soluções integrais, inclusivas e sustentáveis para as pessoas refugiadas, deslocadas e apátridas na região. O grande diferencial da atualização de 2024 é a inclusão de deslocados por tragédias climáticas, como a que ocorreu no Rio Grande do Sul em maio deste ano.
Entre os presentes nas reuniões que levaram à atualização estava a doutora em Direito e coordenadora do Balcão do Migrante e Refugiado da Universidade de Passo Fundo (UPF), Patricia Grazziotin Noschang, representando a Global Academic Interdisciplinary Network (GAIN) — Rede Acadêmica Interdisciplinar Global. A coluna conversou com ela sobre o assunto.
O que são a Declaração e o Plano de Ação do Chile?
Eles estão vinculados a um documento principal anterior, que é a Declaração de Cartagena de 1984. Então, desde 2004, começaram a se fazer planos de ação a cada 10 anos. Esse é o terceiro plano de ação e está sendo capitaneado pelo Chile. Há sempre um país-sede que faz a proposta, que organiza a discussão para os próximos 10 anos. Cada vez que se faz esse plano de ação, se busca avançar na proteção da população refugiada em contexto de América Latina. Embora seja um documento sobre essa região, estavam presentes também delegações da União Europeia. É uma reunião governamental, onde se estava discutindo um documento de vinculação de governos para mais 10 anos. Toda essa condução é chamada de processo de Cartagena. O texto de 1984 já foi um avanço porque ampliou a proteção dos refugiados, considerando as pessoas que sofrem grave e generalizada violação de direitos humanos, ou alteração da ordem pública.
Qual o diferencial desta atualização?
O grande avanço dessa última rodada é o reconhecimento e a possibilidade de proteção das pessoas que se deslocam em razão dos desastres e das mudanças climáticas. Há um capítulo tanto no plano quanto na declaração que prevê a proteção das pessoas que se deslocam internacionalmente quanto das pessoas que se deslocam internamente. No reconhecimento desse tipo de deslocamento, a gente chama de deslocados, não chama de refugiado nem de imigrantes. Então, o documento chama de deslocados. E reconhecer que existe esse tipo de deslocamento já é uma grande importância para a garantia de direitos. Essa é a primeira vez que se reconhece as pessoas que se deslocam em razão de desastre e mudanças climáticas, muito pelo que aconteceu no Rio Grande do Sul. Acho que tivemos um papel bem importante nessa discussão.
O que é a Global Academic Interdisciplinary Network (GAIN)?
É uma rede criada para refugiados formada por pesquisadores de todo o mundo que estudam refugiados. É interdisciplinar para discutir a questão migratória e de refúgio. Esse é o objetivo. E ela teve a possibilidade, muito com o apoio do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), de indicar os participantes pela Academia. Outra questão importante nesse processo do Chile foi que, pela primeira vez, representantes da Academia, dos refugiados, da sociedade civil e do setor privado participaram. Pela primeira vez, com poder de fala e com direito de fala e com participação ativa.
A assinatura da Declaração ocorre por meio do Acnur?
O Acnur participou como secretaria técnica, como organizador do evento. Foram três rodadas. Uma ocorreu no México, a outra no Brasil e a outra, na Colômbia. E agora encerrou-se no Chile. O texto foi aprovado por aclamação, houve só uma manifestação contrária, de El Salvador. Mas foi um momento histórico, muito importante no avanço.
Qual a importância de agregar os deslocados por causa das ações climáticas nesse processo?
Extremamente importante. Não tínhamos nenhum documento internacional que reconhecesse o direito das pessoas forçadas a se deslocar em razão de desastres e mudanças climáticas. Então esse é o documento. É muito importante porque traz o reconhecimento dos deslocados internacionais, e aí podemos lembrar dos haitianos que se deslocaram em razão do terremoto e que vieram para o Brasil, bem como dos deslocados internos também do Brasil, que não são só os que ganharam notabilidade pela questão do desastre do Rio Grande do Sul. Esses deslocamentos ocorrem a partir de migrantes do Nordeste, por exemplo. Isso ocorre há muito tempo no Brasil. Ter um texto que reconhece a proteção de direitos e que dá visibilidade a essa pauta é extremamente importante.
Que direitos garantem essa Declaração?
O acesso à moradia já está um pouco mais subjetivo ali. E vai ficar para cada país determinar como será o acesso a esses direitos. Mas o direito seria à moradia, à assistência social, à saúde. São questões ligadas diretamente às pessoas que são obrigadas a se deslocar.