Já passou da hora de temas com o inteligência artificial (IA) e redes sociais pularem das séries como "Black Mirror" para o nosso dia a dia. Se você ainda não se inteirou do assunto, cuidado: o assunto já pode ter se inteirado de você.
A falta de controle sobre as redes sociais é tema recorrente desta coluna. Mas nem sempre falamos, aqui, de IA. Duas decisões da União Europeia (UE), nesta quarta-feira (14), servem para pensarmos os dois temas. Sobre o primeiro: a UE acusou formalmente o Google de violar as leis antitruste do bloco, abusando de sua posição dominante em publicidade online para enfraquecer os rivais. O que isso significa: o Google está presente em todos os níveis da cadeia de suprimentos ad-tech. grosso modo, a empresa vende anúncio digital, domina a distribuição, estabelece as regras do jogo e ainda produz os relatórios sobre o impacto dessa distribuição/venda.
A venda de publicidade é a principal receita da Google, controlada pelo Grupo Alphabet. Foram US$ 60 bilhões no ano passado. A internet não é só o Google, mas o Google é quase toda a internet. "Dá um Google", não à toa, virou expressão comum.
Se o Google fosse um time de futebol, ele entraria em campo, escreveria as regras da partida (e do campeonato), escolheria o árbitro e bandeirinhas, decidiria o placar e, não duvide, elegeria até quem poderia ter acesso à arquibancada e como a performance do time seria descrita pela crônica esportiva (feita pelos próprios funcionários, claro).
Esse comportamento inviabiliza a concorrência, no campeonato de futebol e no livre mercado. A UE pode impor sanções à empresa capazes de obrigá-la a vender parte do negócio em publicidade digital.
A outra decisão da UE é tão importante quanto. O Parlamento Europeu aprovou um projeto de lei que regulamenta a inteligência artificial (IA). A decisão entra em rota de colisão com as gigantes de tecnologia - além da Google, a Meta, dona do Facebook e do Instagram, Apple e outras. O que os deputados desejam é regulamentar como as empresas usam a IA. Por exemplo: fica proibido o uso de sistemas que apresentem "nível aceitável de risco". O que isso significa: companhias de tecnologia não poderão fazer uso, por exemplo, de análises de dados para a implementação de ferramentas capazes de realizar o chamado policiamento preditivo.
A técnica é sedutora: o uso da tecnologia para prever crimes - ou seja, permitindo, em tese, que a polícia atue antes de ele ocorrerem. Em uma rua de uma grande cidade com altos índices de roubo e furto de carros, por exemplo, o algoritmo poderia prever, por exemplo, que horas e em qual local exato haveria mais chance de ocorrer um crime. Esse é o mundo ideal. Há outro: o "black mirror". Como, no Brasil, a grande massa carcerária é composta por negros e pobres, não é difícil imaginar quem acabaria, "preventivamente", preso, simplesmente por passar naquela rua, em local e hora errados.