O presidente Lula erra e desinforma ao afirmar que a ditadura na Venezuela não passa de uma "narrativa" e que Nicolás Maduro é o presidente do país porque foi "eleito pelo povo". Não há democracia sem eleições. Mas apenas eleições não garantem uma democracia. Maduro, hóspede de honra do presidente, em Brasília, está há 10 anos no poder graças a eleições marcadas por fraudes, logo não tem legitimidade para estar no poder. Se juntarmos o período em que seu padrinho político e antecessor, Hugo Chávez, ficou no poder (entre 1999 e 2013, quando morreu), lá se vão 24 anos de autocracia maduro-chavista.
Não é incomum ditadores permitirem uma oposição controlada e até eleições fake para dar um verniz de Estado de Direito a um regime autoritário - para, no nível doméstico, ser uma espécie de válvula de escape da pressão social, embora aos olhos da comunidade internacional poucos se enganem. No Paraguai do ditador Alfredo Stroessner, que conquistou o poder com um golpe em 1954, ele costumava "ganhar" o pleito com 95% dos votos. Permitia uma oposição inócua, enquanto opositores políticos apodreciam no cárcere ou eram assassinados. Na ditadura brasileira, também havia um simulacro de democracia, com eleições diretas para deputados, senadores, vereadores e parte dos prefeitos que só podiam ser disputados pela Arena, o partido do governo, e a oposição consentida do MDB.
No mundo árabe, Saddam Hussein ficou entronado em seus palácios em Bagdá de 1979 a 2003, vencendo todas as "eleições" falsas - era tão descarado que em algumas, como as de 2002, ele dizia ter sido reeleito com 100% dos votos. Isso significaria que todos os eleitores teriam votado em Saddam. Em um referendo, em 1995, ele conseguiu 99,96% dos votos. Ali do lado, na Síria, ainda é assim, com Bashar al-Assad está no quarto mandato graças a 95,1% dos votos em 2021. E aí de quem duvidar.
Repito: não há democracia sem eleições, mas só eleições não garantem democracia. O Estado democrático de Direito exige independência entre poderes, instituições a pleno, liberdade de imprensa e de expressão, garantia de direitos políticos, diversidade de partidos e opiniões e de se reunir e de se manifestar de forma contrária publicamente. Nada disso há na Venezuela, onde o chavismo-madurismo absorveu os demais Poderes, patrolou a oposição, sequestrou as forças armadas, instituiu milícias particulares como uma guarda pretoriana de Maduro, instaurou um Estado policialesco, prendeu opositores políticos, fechou veículos de comunicação independentes, tutelou manifestações nas ruas e orientou quem discorda de tudo isso a ficar em silêncio.