Muitas foram as metáforas para o dia em que o Reino Unido se separaria da União Europeia (UE): abismo, caminho sem volta, passo incerto. Mas ninguém previa uma pandemia no horizonte quando os britânicos votaram, há exatos cinco anos, em 23 de junho de 2016, pelo Brexit.
O período entre a votação que inaugurou os resultados apertados que denotam a polarização de países no auge de movimentos nacionalistas e o dia da ruptura foi longo e tortuoso, custando o mandato de dois primeiros-ministros, David Cameron e Theresa May. Só Boris Johnson conseguiu, não sem antes fazer concessões a Bruxelas.
O Reino Unido começou a andar com a próprias pernas, fora do bloco, no momento exato em que o coronavírus, nascido na China, cruzava a Ásia a caminho da Europa, em janeiro de 2020. E, como se sabe, a pandemia mudou tudo, acelerando processos políticos em gestação. Foi o teste de fogo para o Brexit.
A guerra das vacinas entre o Reino Unido e a UE escancarou a ruptura cujos efeitos, até então, pareciam escondidos apenas nas estatísticas econômicas. Os britânicos, graças a sua prestigiosa Universidade de Oxford e a uma parceria com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca, saíram na frente na vacinação no Ocidente, enquanto a UE patinou, reclamando - com razão - do atraso da entrega de lotes do produto ao bloco econômico.
Se era retaliação, nacionalismo ou apenas resultado de um contrato mal amarrado só o tempo dirá. O fato é que, sozinho, o Reino Unido vacinou muito mais gente proporcionalmente a sua população do que os vizinhos do outro lado do Canal da Mancha.
Internamente, o país segue dividido. O Brexit acirrou movimentos separatistas no arquipélago, com Irlanda do Norte e Escócia acelerando discussões.
Em termos econômicos, há perdas: as exportações britânicas para a UE caíram 15%, enquanto as do bloco para o reino de Sua Majestade, despencaram 32%. Do ponto de vista da vida real de milhares de cidadãos dos dois lados, um novo grande teste começa na semana que vem. O dia 30 de junho, última etapa do processo de transição, marcará o fim da livre-circulação de pessoas. Ou seja, britânicos que vivem na UE terão de reorganizar a papelada, porque perderão os direitos de residência e trabalho como cidadãos do bloco. E vice-versa.
O pacote trilionário para a reconstrução pós-covid-19, que autorizou a Comissão Europeia (Poder Executivo do bloco) a fazer um inédito empréstimo em nome de seus membros, trouxe algum alívio para governos que mais sofreram com a pandemia, como o italiano. Ato contínuo, por ora, o risco de novos divórcios parece ter sido brecado. Mas populismos seguem latentes em um continente onde a pandemia reavivou divergências entre o Norte (mais conservador em termos de gastos e menos atingido pelo coronavírus) e o Sul (mais afetado pela covid-19 e com fama de gastador). Partidos nacionalistas permanecem no poder na Hungria e na Polônia, cujos governos são contrários às políticas supranacionais de Bruxelas sob argumento de que retiram autoridade dos Estados. Cinco anos depois do Brexit, o fantasma de futuras rupturas permanece assombrando o continente.