* Economista
O brasileiro, dizia Nelson Rodrigues, sofre de um crônico complexo de vira-lata. Não encontramos motivos pessoais ou históricos para a autoestima. Com a crise que o país atravessa nos últimos anos, esse nosso complexo, nunca totalmente ausente, ressurgiu com força verdadeiramente brutal. Estive há pouco no Brasil, por duas semanas, e voltei para a China impressionado com o quadro de desalento que se observa no nosso país.
Vou me ater na coluna de hoje ao lado econômico da crise nacional. Não se pode negar que há motivos objetivos, amplamente comentados, para o desânimo generalizado. A situação é, sem dúvida, muito difícil. A recessão de 2015-2016 foi sem precedentes e o desemprego subiu para níveis extremamente elevados.
Mas o leitor permite que eu diga que há também muito exagero? Afirma-se, por exemplo, que "o país quebrou". Afirmação duvidosa. Como pode estar "quebrado" um país que detém reservas internacionais de nada menos que US$ 370 bilhões em caixa? O processo de acumulação de reservas começou em 2006, como política deliberada para diminuir a vulnerabilidade externa e garantir a autonomia financeira do país. Passamos de reservas da ordem de US$ 50 bilhões no período 2003 a 2005 para a faixa de US$ 350 bilhões ou mais a partir de 2011.
O setor externo da economia brasileira dá claros sinais de fortalecimento. O déficit do balanço de pagamentos em conta corrente caiu drasticamente em 2015 e 2016, chegando a US$ 21 bilhões nos doze meses até março de 2017, o equivalente a apenas 1,1% do PIB. A entrada de investimentos diretos no país, de US$ 86 bilhões no mesmo período, corresponde a mais de quatro vezes o valor do déficit em conta corrente.
É bem verdade que a melhora do balanço de pagamentos é consequência da recessão, que comprime a importação de bens e serviços e gera também excedentes exportáveis. Mas a recessão não explica toda a melhora das contas externas. Outro fator significativo foi a depreciação da taxa cambial no período recente, que favoreceu a competitividade das exportações assim como dos setores que disputam o mercado interno com importações.
A recessão produziu também queda muito expressiva da inflação, maior do que muitos previam. O IPCA caiu para pouco mais de 4% nos doze meses até março. As expectativas de inflação também caíram muito e apontam para inflação abaixo do centro da meta em 2017 e 2018, algo que não se via há muito tempo. Isso permitiu que o Banco Central iniciasse uma diminuição significativa da taxa básica de juro. As expectativas de mercado indicam uma taxa Selic de 8,5% no final deste ano.
A redução dos juros básicos, na medida em que se reflita em diminuição do custo do crédito, ajudará a recuperação gradual do nível de atividade, auxiliada também pelo crescimento das exportações. A recuperação será lenta, mas um crescimento da ordem de 2% a 3% parece possível em 2018.
A queda da taxa básica de juro tem outro efeito importante: alivia o custo da dívida pública e contribui para reduzir o déficit fiscal. Nos doze meses até março, os juros nominais do setor público consolidado alcançaram nada menos 6,8% do PIB. Como ajustar as contas públicas com uma carga financeira desta magnitude? Com a diminuição do custo da dívida governamental e alguma reativação da economia, a superação das dificuldades fiscais torna-se factível.
O Brasil está ainda longe de superar a crise, mas alguns indicadores importantes sugerem melhora gradual do quadro econômico-financeiro.
O autor é vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, sediado em Xangai, mas expressa seus pontos de vista em caráter pessoal.