São mais de 800 voluntários, entre psicanalistas, psiquiatras e psicoterapeutas de 14 instituições do Estado, oferecendo atendimento gratuito, por telefone, a pessoas com sintomas de depressão, desespero ou solidão durante a quarentena.
Quem coordena o projeto é a Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, presidida pelo psiquiatra José Carlos Calich, que atendeu a coluna na tarde desta terça-feira (31). Interessados de todo o Estado podem acessar este link.
Que cenário vocês têm encontrado nas consultas?
Atendemos até agora em torno de 300 pessoas, número que ainda deve crescer muito, porque ainda não chegamos ao pico das infecções. O fato é que, com a ruptura dos laços e vínculos sociais, os recursos que as pessoas costumam ter para aliviar suas angústias ficam mais limitados. Para uma pessoa que já é insegura, por exemplo, se você tira dela o que lhe dava alguma segurança, como o trabalho, isso pode ser muito violento.
Como se protege da angústia neste momento?
São várias orientações, mas uma delas é selecionar a qualidade e a quantidade de informações. Estar exposto a tragédia e morte permanentemente, sempre pensando no horror que vai chegar, não é fácil para ninguém. Não devemos negar os fatos, mas é fundamental, em primeiro lugar, não embarcar nas notícias falsas, que são construídas para gerar pânico. E mesmo as notícias sérias precisam ser consumidas em doses razoáveis.
O que é importante evitar no isolamento?
Uma coisa é o isolamento físico, outra é se isolar dos vínculos humanos. Já que não é possível se encontrar para um vinhozinho, então que as plataformas digitais sirvam de escape para a gente conviver com os amigos. Não dá para passar o dia pensando só na doença, ou só nos problemas econômicos que virão. E é mais fácil cair nessa armadilha quando perdemos o vínculo com as pessoas – porque, sem ninguém por perto, nos sentimos mais desprotegidos, desamparados e, portanto, as coisas que nos intoxicam tendem a nos intoxicar ainda mais.
O senhor tem uma preocupação maior?
Eu me preocupo com as crianças. É uma geração inteira que pode estar convivendo demasiadamente com a ideia de morte, sofrimento, angústia, incerteza. Elas estão muito expostas. Nós vivemos um cenário de guerra: a gente vê, na Itália, caminhões cheio de gente morta deixando hospitais. E aqui muitos pais estão apavorados, perdendo emprego, perdendo renda. Uma criança precisa ter o mínimo de estrutura externa para garantir alguma segurança que lhe permita crescer. A família tem que servir de filtro.
Como as crianças manifestam esse incômodo?
Tenho relatos de crianças normais, que nunca tiveram problema algum, apresentando sintomas: alguns voltaram a fazer xixi na cama, mesmo já sendo maiorezinhos, outros passam muito tempo se escondendo, alguns rejeitam a comida. É angústia demais para uma criança viver, os pais precisam tentar preservá-la. Isso pode levar a uma geração inteira com problemas para enfrentar a vida mais tarde.
Há algo de bom em tudo isso?
A humanidade vivia, no mundo ocidental, um momento de muito individualismo, muito voltado aos objetivos pessoais. E agora fica evidente um resgate da solidariedade, da gratidão – que se percebe com os profissionais da saúde –, da empatia e do esforço coletivo. Isso é comovente.