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O tapete vermelho que se derrama na escadaria termina em frente ao dono do bazar. É um homem de terno e gravata, cabelo lambido e sorriso largo. Ele espana com a mão o pó de uma prateleira e vai anunciando:
– Quadros, bonecas, panelas, bijuterias, o que o senhor quiser eu tenho aqui.
Também não é tanta coisa assim, mas Luiz Eduardo Borragini, 40 anos, de fato encontrou muita miudeza na rua. Decidiu juntar tudo e vender ao lado de casa, à beira do Arroio Dilúvio - ele mora ali, no pé da escada, em frente à ponte da Avenida Getúlio Vargas, na esquina com a Ipiranga.
No quartinho que ergueu com tábuas, impressiona a quantidade de produtos para cabelo, barba e corpo. Há fotos de mulheres seminuas na parede, um espelho no teto, uma cama bem arrumada e uma arara de roupas que ele improvisou com cabo de vassoura – ali, 13 cabides exibem camisas e paletós, todos doados.
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– Não vou perder minha vaidade. Sabe por quê? Porque gosto de gente como tu na minha volta. Pessoas boas se aproximam de gente limpa. E não adianta negar: aparência importa, sim – avalia Luiz, que logo dá com a língua nos dentes: – A droga nunca vai me tirar isso.
Que droga?, eu pergunto, e ele reconhece que fuma crack. É uma surpresa, porque Luiz tem aparência (a importância da aparência) saudável: nem de longe lembra os zumbis que vagueiam aos farrapos pela cidade. Embora há 20 anos o crack o acompanhe, ele garante que não é dependente:
– Se estou com fome, pego meu dinheiro e compro comida. Se quero sair com uma mulher, pego meu dinheiro e saio com ela. Sou eu que uso a droga, não a droga que me usa.
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Mas então por que tanto tempo fumando?
– Eu fumo de sem-vergonha – assume Luiz, para depois contar como foi morar na rua.
Há seis anos, desentendeu-se com a esposa porque, segundo ele, era "ciumenta demais". Os dois viviam em uma casa na Cavalhada, e Luiz trabalhava em pequenas reformas. Quando o serviço era na residência de alguma moça, a companheira já achava que o marido ia aprontar. Uma injustiça, garante ele.
Hoje, embora tenha perdido contato com os seis filhos – que teve com diferentes mulheres –, considera-se "um homem feliz":
– Porque eu tenho liberdade. Não tenho problema com a polícia. Não tenho problema com ninguém.
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