Alterações de última hora em três obras da 11ª Bienal do Mercosul, todas expostas no Santander Cultural, chamaram a atenção de membros da comunidade artística de Porto Alegre. A coluna levantou as informações junto com a editora Luiza Piffero, que cobre artes visuais em Zero Hora.
Uma foto da vereadora assassinada Marielle Franco, que fazia parte da instalação Non Orientable (2018) – uma enorme estante de madeira com cerca de 350 compartimentos –, desapareceu antes da inauguração da mostra. Desde sexta-feira (6), data de abertura da Bienal, a obra está em exibição sem a imagem de Marielle.
Por telefone, da Alemanha, o artista ganês Ibrahim Mahama, autor do trabalho, disse não ter sido avisado sobre qualquer mudança na obra, mas seu assistente, o também ganês Francis Djiwonu, confirmou ter feito a alteração.
Foi Francis o responsável por montar a instalação em Porto Alegre. Como costuma fazer sempre, ele coletou materiais pelas ruas da cidade onde a obra seria exposta – a foto de Marielle, portanto, foi encontrada em algum canto da capital gaúcha.
– Soube depois que era uma figura política que havia sido assassinada. Não queria nenhuma complicação com a política do Brasil, porque eu não sabia muito sobre ela (Marielle) – disse Francis por Whatsapp.
O assistente, então, preferiu virar de costas a caixinha em que a imagem de Marielle estava colada.
Outra instalação exposta no Santander Cultural, a obra Departamento de Recursos Não Revelados (2018) apresenta uma série de cofres que, ao serem abertos pelo público, revelam conteúdos diversos, como algodão e feijão. No projeto original, um dos cofres deveria guardar folhas de coca, o que acabou cortado da mostra. Segundo o artista americano Mark Dion, autor da obra, ele próprio desistiu das folhas quando "disseram que elas são ilegais no Brasil".
– Chegamos a comprar folhas secas em uma loja de artesanato, para substituir as folhas de coca, mas não fazia sentido usá-las – disse Dion por e-mail. – Outro cofre ainda deveria ter balas (de revólver), o que também se mostrou complicado. Mas sinto que tive total liberdade para fazer o trabalho.
Por fim, às vésperas da inauguração da mostra, uma série de 22 fotografias de Miguel Rio Branco, artista espanhol radicado no Rio, acabou transferida do Santander Cultural para o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs).
A obra, batizada de Maldicidade (2014), mostra dois cachorros cruzando, um pênis de borracha e uma estátua com as pernas abertas, entre outras imagens. O alemão Alfons Hug, curador da Bienal, garantiu que a mudança "foi uma decisão curatorial e técnica":
– É bom lembrar que em grandes mostras coletivas surge, às vezes, a necessidade de reordenar ou reagrupar algumas obras.
Segundo o presidente da Fundação Bienal, o médico gaúcho Gilberto Schwartsmann, "a 11ª Bienal do Mercosul tem como maior patrimônio o respeito à liberdade de expressão e a independência curatorial".