Isso de relacionamento aberto, nunca vi tanto. Já conheço cinco casais adeptos desse modelo, e cada vez mais ouço relatos de gente disposta a experimentá-lo.
Um casal de amigos, por exemplo, decidiu abrir a relação há dois anos – no total, namoram há quase sete. Durante mais de quatro anos, portanto, eles viveram uma união monogâmica, mas, nos últimos tempos, combinaram que poderiam beijar e transar com outras pessoas. Os dois moram juntos e, para ser bem franco, parecem realmente felizes. Ele tem 36 anos; ela, 33. Não há sinal de frieza na relação dos dois, pelo contrário: vivem trocando afagos, dizem que se amam, que querem se casar e ter um filho.
Pergunto como conseguem, como convivem com a ideia do outro se refestelando em carnes alheias. A resposta é sempre na linha do que defende a psicanalista Regina Navarro Lins: "Em qualquer relacionamento, cada um deveria responder a duas perguntas para si próprio: 'Me sinto amado? Me sinto desejado?'. Se a resposta for sim para as duas, o que o outro faz quando não está comigo não me diz respeito".
Quer dizer: eles nunca sabem com quem o parceiro esteve. Não querem saber, nem sequer perguntam – entendem que a individualidade do outro é apenas do outro. Mas respeitam algumas regras: evitam se relacionar com amigos do casal, jamais flertam com outras pessoas na presença do companheiro, não levam ninguém para dentro de casa e comprometem-se a usar camisinha quando estão fora.
– Mas peraí um pouquinho – interrompi na semana passada. – E se algum de vocês se apaixonar? Vocês deixam uma porta aberta para que o outro se apaixone. Brincam com fogo, dão sorte para o azar, cutucam a onça com vara curta!
Os dois discordaram com a cabeça, e ele espetou o indicador no ar:
– Conheço muita gente que, no meio do casamento, se apaixonou e foi embora. E a relação era monogâmica.
– Também conheço gente que há anos pula a cerca sem que o companheiro saiba mas nunca se apaixonou por um amante – ela completou.
Bem. Faz sentido. Outro dia escrevi que, de fato, não estamos imunes ao desejo por outras pessoas apenas porque amamos uma. E reconheço que a maior parte de nós, em uma relação monogâmica, acostumou-se ao que muitos classificam como hipocrisia. Sentimos vontade, mas a reprimimos. Sabemos que o companheiro sente vontade, mas reprimimos o companheiro.
É tudo verdade, só que uma pergunta se impõe aqui: qual é a principal premissa de uma sociedade civilizada? Qual é o requisito mais básico para que a vida em comunidade possa funcionar? Não há outra resposta possível: só existe civilização se houver frustração. Frustramos desejos o tempo todo – abdicamos de dizer o que queremos, de ter o que queremos, de fazer o que queremos, tudo em nome da sociabilidade. Como escreveu Freud, "o homem trocou uma parcela de liberdade por uma parcela de segurança".
O relacionamento monogâmico parece seguir a mesma lógica. Um acordo tácito que mira o bem-estar social. Não à toa uma pesquisa de 2012, da Universidade da Columbia Britânica, do Canadá, revelou que as sociedades poligâmicas são as mais violentas do mundo. Porque, nesses grupos, algumas características próprias da natureza humana – a competição, a hostilidade e o egoísmo – afloram em dimensões maiores.
Quer dizer: reprimir nossos desejos e reprovar os desejos do outro, em uma sociedade civilizada, não é nenhum absurdo. Por outro lado, seria um absurdo impedirmos a sociedade de evoluir – e essa evolução só acontece quando questionamos nossas convenções culturais, sociais e religiosas. O relacionamento aberto faz isso. Mas confesso que eu aqui, em comparação àquele casal de amigos, não passo de um antiquado, um careta, um quadrado, um homem nada evoluído.