A "importunação sexual" - achei bom esse nome, singelo porém direto - agora é crime em Portugal. Quer dizer: abordagens obscenas ou piadinhas de baixo calão com mulheres, tão habituais nas ruas, podem ser punidas com até um ano de cadeia. Se o assédio for dirigido a menores de 14 anos, a pena sobe para três anos.
Uma multidão de portugueses usou as redes sociais para tachar a nova lei de "exagero", "histeria feminista", "atentado à liberdade de expressão" e até "fim da sedução". A mesma resistência ocorrera em outros lugares que já haviam adotado legislações semelhantes, como Bélgica, França, Peru e Egito. É inútil, há uma tendência clara: cada vez mais países devem criminalizar as cantadas ofensivas.
O assédio sexual foi um dos temas do ano. Nunca tantas mulheres - jovens, na maior parte - se insurgiram juntas contra essa modalidade de violência. A imprensa apostou em reportagens que escancararam o problema e, no Brasil, campanhas feministas como #meuprimeiroassedio e #meuamigosecreto, para ficar em dois exemplos recentes, levaram milhões de pessoas a refletir sobre o assunto.
Se na década de 1960 as mulheres conquistaram o mercado de trabalho e a liberação sexual, não há dúvida de que existe hoje um novo momento de inflexão. A geração atual quer mais: exige o respeito incondicional dos homens na rua, o fim das piadinhas do chefe, a justa divisão das tarefas domésticas, a igualdade salarial e a autonomia sobre o próprio corpo - o que inclui desde vestir as roupas que bem entender até a legalização do aborto.
Não há como fugir, portanto, das adaptações legais. O assédio sexual é um crime já previsto em nosso Código Penal. Não há clareza, no entanto, sobre quais práticas se encaixam na definição de assédio - a lei menciona apenas o "intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual". Ora, se a grande maioria das vítimas de assédio são mulheres, e se as mulheres atravessam um ano inteiro bradando contra as cantadas de rua, é hora de incluir na legislação as tais cantadas de rua. Até porque há um forte impacto pedagógico na medida: o recado é que a sociedade rejeita essa conduta, que essa conduta precisa ser arrancada da aceitação cultural. E, aos poucos, será.
Agora, não serei hipócrita, há um aspecto que atinge violentamente o homem nisso tudo e, paciência, em nome de um avanço social, o homem terá de se adequar. E o tal aspecto começa pela seguinte pergunta: o que é uma cantada ofensiva, exatamente? Claro, a verborragia de baixo nível, o puxão pelo braço, a perseguição na rua, essas são unanimidades nos critérios da idiotice. Mas há uma subjetividade na "importunação sexual" que virou assunto em Portugal. Será a interpretação dos juízes que dirá, de fato, o que é passível de punição.
- Na dúvida, o aconselhável é que as pessoas com hábito de se dirigir na rua a mulheres desconhecidas se abstenham: como não podem saber o que vai ou não ser considerado crime, calem-se - disse a deputada portuguesa Isabel Moreira ao jornal Diário de Notícias, de Lisboa.
Ainda que a maioria dos homens que conheço jamais ousasse abordar uma mulher na rua, uma inevitável autocensura nos brota na cabeça. Tenho conversado com amigos. Até onde posso ir?, eles pensam. Devo encarar nos olhos a mulher que me atrai? São pequenos dilemas morais que compõem só uma ponta do iceberg.
Somos a terceira ou quarta geração de homens que convivem o dia inteiro com mulheres. Em toda a história da humanidade, elas cuidaram das crianças e da casa, enquanto nós trabalhamos para sustentá-las - na fábrica, no campo ou nos escritórios. A ensaísta americana Camille Paglia afirma que, depois que os dois sexos passaram a dividir o mesmo espaço no mercado de trabalho, deu-se uma silenciosa frustração entre os homens: se o trabalho que faço também pode ser feito por uma mulher, no que consiste a minha masculinidade?
E assim nós, homens, vamos perdendo a aura de provedores, de sexo forte, de comedores. Não sabemos direito quem somos porque, por outro lado, não podemos ser sensíveis demais, elas não gostam. E ainda precisamos "ter pegada", porque elas gostam. E boa parte das mulheres, a gente sabe, não vai tomar a iniciativa de abordar um homem em um bar ou uma balada. Bem ou mal, ainda é nosso papel.
Mas, obviamente, não somos vítimas. Pelo contrário, atravessamos a história do mundo nos achando os bons. É hora de refletir, de mudar, de aceitar. Ser mulher deve ser difícil, fatigante. Agora, deixe eu dizer: não tem sido mole ser homem.