Tenho insistido que a polarização político-ideológica que o Brasil experimenta é artificial e que seus protagonistas representam versões similares de um projeto de poder sem compromisso real com as reformas que o país necessita. Caso o afastamento da presidente Dilma se confirme - o que parece ser o desdobramento lógico da votação do último domingo na Câmara, - teremos novas evidências a respeito.
Entre os economistas, se observa a repetição dos mesmos diagnósticos, acoplados a versões mais ou menos selvagens do receituário liberal. O governo gasta mais do que devia, repetem. Esta postura tem erguido uma blindagem em torno de interesses poderosos que jamais foram tocados, tampouco pelos governos Lula e Dilma. Os programas de emergência apresentados por PMDB e PT, aliás, desprezam o impacto dos juros na crise fiscal. Nessa lacuna, eles se somam ao discurso único em voga que desconsidera que o Brasil gastou R$ 501 bilhões com juros em 2015, o que significa 8,5% do Produto Interno Bruto (PIB), e que deverá torrar R$ 650 bilhões com juros este ano (9,5% do PIB).
Dilma e Temer estão de acordo que é preciso nova reforma da Previdência que, em 2015, teve aumento de R$ 6 bilhões em suas despesas. Seguem na mesma linha quando acreditam que o ajuste fiscal, cuja meta é reduzir R$ 27 bilhões de gastos, seja resposta adequada à crise econômica. O governo federal agiu irresponsavelmente e perdeu o controle sobre suas finanças, mas o problema real não pode ser localizado na elevação das despesas públicas. Segundo Amir Khair, um dos poucos economistas que têm remado contra o discurso único, as despesas do governo, excluídos os juros, explicam 5% do déficit fiscal. A perda de arrecadação responde por 13%, enquanto os juros significam 82% do rombo. Em um ano, o Brasil paga em juros para os especuladores o equivalente a 15 anos de bolsa família. Nesse quadro, a prioridade não pode ser a Previdência, por mais que distorções tenham que ser corrigidas; nem o fim dos percentuais constitucionais dos orçamentos em educação e saúde como estão propondo o ministro da Fazenda, o PMDB e os bancos. O fato é que PT e PSDB/PMDB estão de acordo quando se trata de preservar o paraíso para os rentistas. Grande parte dos analistas econômicos, da mídia e dos empresários também.
Outro ponto que aproxima os partidos tradicionais é o papel do BNDES que oferece empréstimos a grandes empresas a juros subsidiados. Entre 2008 e 2015, foram R$ 123 bilhões. Estranhamente, não se qualifica esta política de "farra". Aqui temos a síntese do capitalismo parasitário brasileiro e a razão pela qual a plataforma do "Estado Mínimo" é uma conversa fiada. Nossos grandes empresários são filhotes mimados do Estado e estabeleceram com ele, historicamente, relações promíscuas. A política que temos é expressão desta aliança abjeta e serão necessárias dezenas de operações Lava Jato para limpar toda a sujeira que ela já produziu.
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Em tempo: a sessão da Câmara que votou a admissibilidade do impeachment foi, de fato, histórica. Senão por seu resultado, pela mais ampla repetição de pronunciamentos ridículos e demagógicos de que se tem notícia. Nunca antes tantos disseram tão pouco e de forma tão hilária. Uma parte do Brasil deve ter se dado conta do que é, verdadeiramente, sua representação política. Outra parte preferiu não ver; talvez porque espelhos possam ser incômodos. Fiquei impressionado com a quantidade de maridos amorosos, de pais exemplares e de piedosos cristãos. Entre as inúmeras homenagens, faltou o registro comovido em favor das empreiteiras que elegeram tantos. Bolsonaro, é claro, desempenhou o papel no qual se especializou: o de bufão fascista. Espanto mesmo foi saber que, em Porto Alegre e em algumas outras cidades, sua declaração de voto lembrando Carlos Alberto Brilhante Ultra, símbolo da tortura no Brasil, foi saudada efusivamente por parte dos manifestantes pró-impeachment. Das duas uma: ou não sabem o que é tortura, ou sabem e concordam com ela. Como diria o correntista suíço, que Deus tenha piedade deste país.
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