A decisão é pessoal e intransferível, somando todas as decisões pessoais e intransferíveis chega-se a um desenho de sociedade. Se permissiva, leniente e frouxa, a forma coletiva de viver será permissiva, leniente e frouxa. Dói de tão óbvio.
Por isso, embora eu me junte ao meu amigo Potter no aplauso aos pais dos adolescentes que brincaram de ameaçar Edenilson com arma de brinquedo em punho pela coragem de ir a uma delegacia com as crias e apresentá-las para as devidas consequências, a sociedade precisa mais do que isso para começar a mudar. Não basta a louvável atitude de quem se envergonhou pelo que o filho fez. Para situações como esta existem as leis.
Se menores de idade, que sejam punidos com o máximo rigor da legislação cabível. Qualquer coisa menos do que isso será leniência, permissividade e frouxidão. Não me cativa o argumento de que se eu fosse pai pensaria diferente. Quase fui pai dois anos atrás, um aborto espontâneo me impediu de viver esta experiência que creio ser extraordinária. Mas sou filho, e lembro do meu pai sempre deixando claro para mim que não passaria a mão caso eu me comportasse de forma a ser punido pela lei.
Seu José Mauro seria capaz de me visitar todos os dias na cadeia, mas não seria cúmplice de um crime que eu cometesse. Foi o que aprendi, é o que acho certo. Quando vejo a sociedade em que vivo mergulhada na intolerância, na permissividade — e não vai aqui qualquer viés moral sobre o comportamento sexual alheio e sim um desencanto diante da indiferença com o descumprimento da lei — na indolência e na corrupção, concluo naturalmente que não se trata de obra divina. O Brasil está como está porque a sociedade autorizou-se viver à deriva. O futebol não ficaria fora deste estado geral de coisas. Item por item.
O treinador que vocifera contra o juiz na área técnica induz seu jogador a se comportar parecido. Contesta-se a autoridade com a desfaçatez de que nada acontecerá. O adolescente que se dá o direito de gravar um vídeo com arma de brinquedo ameaçando um jogador de futebol que está jogando menos supostamente por desleixo faz o que faz porque tem certeza de que nada vai lhe acontecer. Certeza de que, se for identificado, bastará uma cara compungida de arrependimento e tudo voltará ao estado anterior.
O cara que jogou um tijolo no ônibus do Grêmio está andando livre pela cidade. Foi ao estádio uma semana depois. Os mais de 50 sujeitos que se comportaram como bandidos na frente do CT do Grêmio podem estar hoje passeando na Orla do Guaíba. Estou vendo a hora em que um grande clube cuja torcida organizada foi punida por mau comportamento mobilizará seu departamento jurídico para reduzir ou anular a pena sob o argumento de que tal torcida foi injustiçada. Quem agir com este nível de irresponsabilidade estará sendo conivente com os próximos atos de violência em seu estádio. Porque, tenha certeza, eles acontecerão mais cedo ou mais tarde.
O dirigente que autoriza uma torcida organizada a entrar no centro de treinamento para cobrar os profissionais é coautor das barbaridades que virão a seguir. No andar da carruagem, só vai haver uma atitude das autoridades quando virar morte. Aí, afora as palavras ocas de lamento e indignação, talvez a lei se apresente com o rigor que já deveria estar sendo guia nesta terra sem lei que se acredita ser o futebol. Não é, não pode ser.
Tenho amigos jornalistas que, generosos que são, entendem que bastou o susto neste episódio do Edenilson. Discordo frontal e fraternalmente deles. Só a punição intimida a ilegalidade. Só o medo de responder duramente por atos violentos vai fazer quem agiu como idiota pensar duas vezes e temer, de fato, que sua idiotice será punida e ele pagará de verdade pelo ato estúpido. Qualquer sociedade precisa ter atenção permanente para não punir além da conta, para não ser desproporcional entre o crime e o castigo.
O problema tupiniquim é que, na imensa maioria das vezes, a punição fica aquém do ilícito. Sem contar as vezes em que sequer acontece a punição. No mundo da bola, é o que mais se vê. Neste caso, com o sorriso vencedor de quem viu confirmada sua eterna impunidade, o malfeitor se animará a praticar sua próxima estupidez. Que tanto pode ser grave na consequência como infantil na origem. A sociedade brasileira, a sociedade esportiva brasileira paga para ver o tempo todo.
Enquanto não der nada comigo ou alguém da minha família, vamos indo num infinito gerúndio. Quando a defesa do identificado por um ato desvairado começa por "era brincadeira" e a resposta da sociedade é "ah, tá, que feio...não se repita, hein?", estamos todos fertilizando o terreno onde se praticará mais e mais o vale-tudo. Aí, se der ruim, bastará um semblante arrependido e um sussurrado "era brincadeira" para ficar tudo bem. A escolha é de cada um. Intransferível. Pessoal. Somadas, materializarão a escolha da sociedade.
A estreia de Mano
Depois de uma entrevista sincera e plena de realismo, Mano Menezes vai para seu primeiro jogo dando de frente com o time treinado pelo técnico que mais encanta o imaginário colorado. Abel Braga vive eletrocardiograma permanente no Fluminense, que acaba de virar um jogo difícil no Maracanã pela Copa do Brasil.
Mano prometeu simplificar, é grande começo. Em seus melhores trabalhos, os resultados começaram a aparecer imediatamente após sua contratação. O Inter precisa muito que este retrospecto do treinador se faça realidade no sábado em que haverá a segunda noite de desfiles do Grupo Especial na Sapucaí.
Uma vitória no Maracanã mudaria o rumo da prosa que cerca o Inter neste início de Brasileirão e animaria o time para o jogo decisivo pela Sul-Americana no interior da Colômbia terça-feira. No ano em que reduzir os danos é o melhor a fazer no Beira-Rio, cada jogo será desafio para alcançar o resultado final. Sem margem de negociação.