O técnico do São José lida com a escassez e não reclama. A folha salarial do clube é de R$ 140 mil reais. O maior salário é de R$ 10 mil. Há clubes na Série C com folha de R$ 600 mil.
— Meu time não respeita folha salarial — disse, sem soberba, Rafael Jaques, 43 anos, com quem conversei sobre o momento especial de sua carreira.
O feito que ostenta nesta hora é uma invencibilidade de 11 jogos, a maior entre os times de todas as divisões do Brasil. Neste sábado, o São José recebe o Paysandu pela Série C. Os paraenses estão três pontos atrás, em quinto lugar. O Zequinha é segundo com pontuação de primeiro, lugar ocupado pelo Volta Redonda.
Faltam quatro jogos nesta fase. Se o São José ficar entre os quatro da sua chave, jogará uma fase eliminatória a seguir. Se passar, estará na Série B do Brasileirão de 2020. Portanto, daqui a seis jogos, na metade de setembro, o jovem treinador terá conseguido ou não conduzir o São José ao segundo acesso consecutivo no futebol brasileiro.
Mesmo diante de uma perspectiva tão positiva, Jaques, que começou a carreira em 2015 no sub-15 do São José, parece um poço de tranquilidade na fala mansa e na firmeza das respostas que você passa a ler abaixo.
Que treinadores você tem de modelo para sua promissora carreira?
De Luiz Felipe (Scolari), de quem fui jogador no Grêmio na metade dos anos 90, aprendi a prestar atenção na bola parada ofensiva e defensiva. No futebol de hoje, pode ser decisivo ter uma bola parada consistente atrás e na frente. De José Mourinho, de quem fui jogador em 2001 no Leiria, em Portugal, fiquei com a gestão de grupo. Ele era muito querido pelos jogadores. Quando saiu, era todo mundo chorando porque nossa relação era ótima. Lido com meu jogador olho no olho, faço questão de ter a melhor relação com cada um. Taticamente, me encanta Pep Guardiola, mas preciso ter em mente que não posso fazer no São José o que ele faz no Manchester City.
Na Série C, há espaço para jogar bonito?
A prioridade na Série C é a competitividade. Eu mesmo, na hora de montar o time que é vice-líder neste momento, tenho dado preferência mais aos jogadores competitivos do que aos técnicos. Na Série C, jogo como preciso muito mais do que como gosto. Tenho que me adaptar à competição em que meu time está inserido para ter sucesso. É o que faço diariamente no São José. Se meu goleiro tiver de quebrar a bola longa na direção do meu centroavante (Luiz Eduardo, vice-artilheiro com seis gols), quebra. Se der para meu time sair jogando de trás com passe, melhor. Mas não é dogma. Às vezes, uma bola longa lançada atrás da zaga adversária pode ser letal.
Tem algum segredo desta campanha tão boa na Série C?
Segredo, não tem, mas houve um momento decisivo para que o time evoluísse em relação ao que fez no Gauchão deste ano, quando paramos nas quartas de final. Na terceira rodada da Série C, perdemos do Ypiranga de Erechim e fui chamado para uma reunião com o presidente Mílton Machado, que me perguntou por que perdemos. Disse a ele que o grupo não estava consistente o suficiente para disputar a Série C e que precisávamos contratar. Vieram cinco jogadores experientes, o time encorpou, cresceu e se firmou noutro patamar. Embora seja possível contratar para a próxima fase, caso a gente passe eu já sei que não virão novos jogadores e, vou te dizer, prefiro assim. Este grupo está fechado e comprou a ideia de jogo que nos faz ir tão bem até agora. Então, vamos juntos.
Rafael Jaques se sente pronto para ser chamado por um clube de Série A imediatamente?
Pronto, não, porque nunca estamos prontos. Preparado, sim. Minha carreira começou no sub-15, estou nos profissionais de um clube que ajudei a subir da Série D para a Série C ano passado com o maior número de pontos entre todos os disputantes, mesmo que tenhamos ficado em terceiro lugar. Terei a licença A da CBF no fim deste ano, não traço metas quanto ao tempo que ainda pode levar para eu chegar num clube grande. Meu desafio é sempre o próximo jogo porque, caso minha equipe tenha sucesso nos objetivos propostos, meu trabalho vai aparecer naturalmente. Sou contratado de carteira do São José, não tenho multa rescisória, neste momento não tenho empresário. Quero ajudar o São José a subir para a Série B. Se acontecer, será maravilhoso.
Você conduziu o acesso da Série D para a Série C, foi campeão do Interior no ano passado. Não houve propostas neste período para sair do São José?
Houve, sim. Não quis sair porque meu plano de carreira é começar e terminar um trabalho. Um clube gaúcho do Interior me ofereceu contrato de três anos. Outro me procurou toda vez que terminou uma competição desde o ano passado, mas quero concluir a missão no São José. Houve um clube do Ceará que veio com proposta de R$ 30 mil por mês, CT de primeiro mundo, mas preferi seguir no São José porque há um trabalho em andamento no qual acredito. Na Série C, meu time tem o melhor ataque, a terceira melhor defesa e não perde há 11 jogos, a maior invencibilidade entre as quatro divisões do país. Não é pouca coisa.
Quando se cogitou Renato no lugar de Tite na Seleção, houve quem citasse seu nome como possibilidade no Grêmio. Como você reagiu?
Fui jogador da base do Grêmio, tenho amigos lá, sempre é bom ouvir que um clube do tamanho do Grêmio poderia estar interessado no seu trabalho. Também tenho ótima relação com o pessoal do Inter, respeito todo mundo. Enfim, faço meu trabalho com o máximo empenho e espero que esta dedicação traga bons frutos adiante.