A série de reportagens dos colegas Adriana Irion e Carlos Rollsing mostrou que Porto Alegre padece do mais revoltante desperdício de dinheiro público. Em primeiro lugar, o que choca é o gasto elevado e totalmente improdutivo, sem que qualquer benefício volte para o contribuinte.
Em segundo, o acúmulo de produtos comprados em depósitos precários afeta a educação já tão maltratada nos anos críticos da pandemia. Compromete o futuro de crianças que poderia ser transformado caso os materiais fossem usados para a finalidade a que se destinam.
Como se não bastasse, reforça a percepção de que há excesso de despesas na educação. Como o mau uso do dinheiro público é disseminado, o problema não está no valor dispendido, mas nos resultados obtidos com esses gastos. Comprar e armazenar, especialmente em más condições, aniquila a possibilidade de provocar mudanças com investimentos em educação.
Em um mundo crescentemente digitalizado, ter acesso a um chromebook na escola municipal poderia ser um plug de conexão das crianças a novas oportunidades, já que famílias de renda mais baixa têm dificuldade de dar acesso a equipamentos caros. A retenção desses dispositivos contribui, ainda, para agravar a desigualdade que envergonha todo o Brasil.
E sempre é preciso lembrar: dinheiro público não é "da prefeitura" ou "do governo". Comprar equipamentos para equipar escolas não é uma bondade do gestor. É sua obrigação. Os recursos aplicados na compra de livros, de chromebooks, de aparelhos de ar condicionado esterilizados por má gestão saíram do bolso dos contribuintes de impostos municipais, como IPTU e ISS, e também de parte de tributos cobrados pela União e pelo Estado direcionada aos municípios.
Como o Brasil tem uma estrutura tributária regressiva - quem ganha menos paga proporcionalmente mais -, muito provavelmente boa parte dos recursos que financiaram essas compras mal aproveitadas tenha vindo das mesmas famílias que poderiam ter a perspectiva de um filho melhor preparado. Isso, caso a despesa tivesse sido responsável.
As descobertas ajudam a explicar porque Porto Alegre é tão mal avaliada no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o que fez o empresário Jorge Gerdau Johannpeter dizer, há menos de um ano, que era "uma vergonha morar em uma cidade que está em penúltimo lugar em educação". Agora, essas revelações precisam ser a alavanca para uma mudança drástica na gestão e na fiscalização do uso do dinheiro público. Ou melhor, dos contribuintes. Ou melhor, dessas mesmas famílias que foram fraudadas.