Em 2007, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), subordinada ao Ministério da Justiça, apresentou à presidente Dilma um plano nacional para redução dos homicídios. O projeto havia demandado meses de trabalho e propunha medidas fundamentais na área da prevenção da violência letal, no reforço da inteligência e no aperfeiçoamento das investigações policiais e das perícias. Quando a presidente recebeu o estudo, declarou simplesmente: "redução de homicídios? Isto não é com o governo federal. Passemos ao próximo ponto da pauta". Os presentes, embasbacados, mal podiam acreditar no que haviam acabado de testemunhar. O Brasil terminaria aquele ano com 47.707 homicídios, ou 25,2 homicídios para cada 100 mil pessoas. Desde então, especialistas e entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (que reúne pesquisadores e policiais) passaram a pressionar o governo para que o plano fosse efetivado. Afinal, a visão equivocada da presidente não poderia continuar autorizando a omissão federal diante de um tema tão importante. O vazio, entretanto, permaneceu e foi se alargando.
O governo federal, já com participação pequena nos desafios da segurança pública, foi se retirando progressivamente de cena e mesmo iniciativas tímidas como o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) foram simplesmente desativadas. Entre 2010 e 2014, a União reduziu os investimentos em segurança em 38%, enquanto o gasto médio de Estados e municípios aumentou em 28% e, 123%, respectivamente (no RS, o Estado reduziu investimentos na área). Ao invés de políticas públicas em segurança, o governo Dilma passou a estimular a presença das Forças Armadas no setor, com programas custosos e ineficientes. Pior, formulou e apoiou projetos de militarização da segurança, construindo retrocessos históricos como as Operações GLO, regulamentadas pelo Estado Maior das FFAA em 2013, em portaria que definiu como "força oponente" qualquer grupo interno que "instabilize a ordem social", entre outras formulações genéricas que pavimentam caminhos para o arbítrio. A esquerda acomodada no Poder se calou, como de costume.
Em 2015, o então ministro José Eduardo Cardozo ouviu especialistas sobre o Plano, rebatizado como "Pacto Nacional para a Redução de Homicídios". Todos imaginaram, então, que o governo, finalmente, lançaria o programa e o Brasil teria política pública focada na redução dos homicídios, a exemplo de iniciativas exitosas na área em muitos países e mesmo em alguns estados brasileiros como o programa "Fica Vivo", desenvolvido em Belo Horizonte, e que reduziu os homicídios entre jovens em 50%. Infelizmente, não foi o que ocorreu. A inércia seria mais forte e o governo, como todos sabem, havia deixado de existir há muito.
No último dia 27 de julho, o Tribunal de Contas da União (TCU), em decisão histórica, aprovou acórdão determinando que o governo federal apresente, no prazo de 60 dias, uma plano de ação para implementar o Pacto. Na terça-feira (09), ao ser questionado pelo jornal O Globo, o Ministério da Justiça declarou que o "Pacto Nacional para a Redução de Homicídios foi uma proposta do governo anterior e, portanto, não diz respeito às ações deste governo''. Nenhuma política alternativa foi anunciada. Em 2014, o Brasil teve 59.627 homicídios (taxa de 29,1 hom/100 mil), a maior taxa já registrada no País (em estudos científicos, considera-se homicídio todo o crime doloso com resultado morte. A taxa, portanto, agrega os tipos penais homicídio, latrocínio e lesões corporais seguidas de morte).
A resposta do governo Temer ao drama nacional na área da Segurança Pública é coerente com mesquinharia revelada pela declaração do Ministério da Justiça e se identifica com a visão tacanha e arrogante do governo Dilma. Quando a política é reduzida à disputa pelo poder há um preço alto demais a pagar. Quando deixamos de debater políticas públicas, quando qualquer iniciativa tomada na "guerra" entre oposição e situação é mais importante que o conteúdo das reformas e quando os militantes e ideólogos reproduzem as versões beligerantes das máquinas moedoras de gente que costumam chamar de "partidos". Além do nojo, isto também produz mortes.
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