O Rio Grande do Sul vive seu momento mais dramático na área da Segurança Pública. Todas as demais dimensões da vida em sociedade sofrem o impacto da escalada de violência, a começar pelas atividades econômicas. O desespero imposto aos familiares das vítimas, o sofrimento dos que foram humilhados e agredidos, mais o medo disseminado transtornam a vida, ampliam o mercado de segurança privada e isolam as pessoas. As taxas elevadíssimas de crimes dolosos com resultado morte em Porto Alegre, muito superiores à média nacional, evidenciam fenômeno específico que deve merecer resposta específica, dependente de diagnóstico preciso dos fatores que estão agenciando os crimes mais graves.
Como regra, no Brasil, os governantes sempre procuram afirmar que estão fazendo o máximo e que resultados positivos estão sendo alcançados. Quando os dados contestam essas afirmações, quando a realidade insiste em nos mostrar que o otimismo oficial é falso, manter o discurso é assumir postura manipulatória. Por isso, deveríamos começar pelo reconhecimento de que a situação vivida no RS na área da Segurança é a mais grave em sua história e que o governo necessita da ajuda de todos, a começar pelos demais Poderes, para a construção de uma Política de Segurança efetiva. Este reconhecimento poderia inaugurar um mutirão pela segurança, permitindo a mobilização social e o envolvimento de múltiplos atores. Para tanto, há que se afastar das receitas simplórias e ter a sabedoria necessária para pedir ajuda. Se houvesse soluções fáceis para o crime e a violência, se todo o desafio pudesse ser resumido a duas ou três iniciativas banais, então o mundo já teria superado esses problemas há muito. O fato é que as soluções para problemas complexos nunca são simples. Elas demandam reformas institucionais e profundas mudanças de gestão, nas polícias e em vários outros órgãos. Exigem investimentos também, mas em projetos consistentes delineados a partir de diagnósticos sérios e que possam ser monitorados e avaliados permanentemente.
Em outro texto neste espaço (Sem mais desculpas, ZH, 18/19 junho), afirmei que era preciso chamar as coisas pelo seu nome e dizer que o governo estava perdido na área da segurança. Os desdobramentos recentes parecem confirmar a síntese. A criação do "gabinete de crise" é o momento de sair do breu. Se perder esta oportunidade, o governo estará se despedindo melancolicamente.
A experiência internacional demonstra que projetos focados na redução de homicídios podem alcançar resultados expressivos. Um dos pontos centrais é a disponibilidade de armas de fogo. Entre 1980 e 2014, o total de vítimas por disparo de armas de fogo no Brasil atingiu a impressionante marca de 967.851 pessoas. Desse total, 830.420 (85,8%) foram crimes dolosos, enquanto as outras mortes foram por suicídio ou acidente (Weiselfisz, Mapa da Violência 2016). Em vários países, programas especiais para a redução do estoque de armas ilegais, inclusive com prêmios em dinheiro aos policiais por apreensão, foram efetivos. Em Belo Horizonte, o programa "Fique Vivo", uma estratégia de fixação dos policiais em áreas de maior incidência de homicídios (hot spots) e de trabalho com a juventude, foi responsável por uma redução de 47% das mortes em 10 anos. A condenação de matadores a longos períodos de encarceramento também é decisiva. Neste particular, se deveria identificar como "taxa de resolução de homicídios" não a proporção de indiciamentos policiais, mas a de denúncias recebidas pelo Poder Judiciário. Só assim, teremos um indicador capaz de medir a qualidade da prova. Por este caminho, aliás, descobriremos os motivos pelos quais há tão poucos matadores presos no RS. Uma ampla reforma prisional, que assegurasse uma execução penal produtiva e livre de facções, deveria também ser prioritária, assim como um programa efetivo de inserção de egressos do sistema prisional no mercado de trabalho.
É preciso, em síntese, "quebrar o ciclo" que amplia o crime e a violência. Para isso, devemos pensar com outro paradigma, até porque, como o disse Einstein, "é uma insanidade fazer a mesma coisa sempre e sempre e esperar resultados diferentes".
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