Recebemos um desafio da EPTC. Passar uma tarde observando com olhos de azulzinho o trânsito de Porto Alegre. Estou procurando até agora uma clínica para recuperação psicológica. Somos uns trastes nas ruas. E calçadas, no caso.
Na UFRGS, um caminhão de entregas, sem motorista, apagado, atrapalhava completamente a passagem de pedestres. Um cego, seguindo as pedras que o ajudam na calçada, se por ali passasse, daria de cara com o baú do caminhão. Em outra parte da cidade, uma situação cômica. E trágica. Três carros estacionados também na calçada. Um atrás do outro. Uma senhora com muletas passava esmagada no canto que restava para ela transitar. E nesse caso há um requinte do jeitinho brasileiro: os carros eram responsabilidade de uma garagem, que, com a posse das chaves dos veículos, os colocava na calçada. Ao ver nossa câmera, o pessoal da garagem correu mais do que Usain Bolt para regularizar a situação.
Circulamos com alguns azuizinhos. Íamos anotando quais eram as infrações, os valores das multas. Somamos no final do processo R$ 2.887,96. Uma boa grana. Nem todas as multas foram aplicadas pelos fiscais. Na maior parte das vezes, eles só apontavam a falcatrua para a gente. Tipo uma que descobri naquela tarde: motoqueiro não pode andar de viseira do capacete aberta. Para a sua própria proteção, já que um besouro pode entrar no olho e provocar um acidente terrível.
O caso mais inusitado foi de um motorista de um Corsa, no Centro. O cara cometia vários delitos: estava estacionado em cima de uma faixa de segurança, na frente da rampa para cadeirantes e em um espaço pintado que demarcava que ali, além de tudo isso, ainda era uma calçada. A equipe da EPTC pediu para ele sair. Ele não saiu. Abanou dizendo que já sairia. A equipe fez a volta e descobriu que o documento de habilitação estava vencido. Assim como o IPVA não pago. E o moço recebeu o pedido para sair de lá antes! Incrível!
Na Padre Chagas, rua chique da cidade, na vaga para idosos, um carro estacionado sem a habilitação que lhe permitiria ficar na vaga. E assim seguiria uma lista enorme de obscenidades no trânsito de Porto Alegre. Depois que postamos o vídeo, a primeira questão que surgiu foi: mas para onde vai esse dinheiro todo que não volta para a gente? Boa pergunta. A EPTC pode responder.
Mas algo ficou absurdamente claro: a indústria da multa é muito incompetente. Mais de 90% dos delitos não receberam punição. Seria impossível multar todo mundo. Não há guincho suficiente. Não tem como realizar todos os procedimentos. E os fiscais precisam realizar outros trabalhos nas ruas, orientar, ajudar etc.
Como em todas as profissões, há azuizinhos que certamente cometem seus deslizes, que se passam com o poder que têm. Muitos têm histórias para contar sobre isso. Mas, de verdade, só entre nós: quem anda no trânsito de Porto Alegre, quantos delitos observa por hora? Inúmeros, não? Vários, não é? E nós mesmos, em quantos momentos optamos por quebrar regras para chegar mais rápido, ser mais ágeis, "é bem rapidinho"?
Em muitos problemas brasileiros, e o trânsito é um dos que mais matam, a responsabilidade também é nossa. A culpa nem sempre é só dos outros. Espie o vídeo e venha para a clínica contra tristeza comigo.