Nestes dias de pandemia que vivemos, em que tudo parece ter mais velocidade e o tempo voa, algo importante passou batido na quarta-feira, quando Maicon se despediu com lágrimas e soluçando do Grêmio: o Gre-Nal está órfão. Perdemos, em um espaço de meses, dois dos últimos caudilhos do clássico.
Na virada do ano, já havia sido D'Alessandro a figura Gre-Nal a dar adeus. Na quarta, foi Maicon. Agora, eu me pergunto, e pergunto a você: quem será o próximo dono do posto? Será que veremos alguém se candidatar já a partir do próximo clássico, pela 30ª rodada, no Beira-Rio?
Ao longo da última década, vimos D'Alessandro comandar os Gre-Nais na primeira metade. Ele era o cara do jogo, peitava todo mundo, metia banca. Os gremistas se roíam, diziam que apitava os jogos, intimidava os árbitros. Era como se D'Alessandro se agigantasse em seu biótipo de jóquei. Houve um Gre-Nal, no fim de 2015, em que Luan, emergindo como referência, encarou D'Alessandro. Foi agarrado pelo pescoço, uma clara reação intimidatória.
O reinado de Maicon começaria meses depois. O clássico do 5 a 0, em agosto de 2016, foi o portal do ciclo azul que estava começando. A passagem definitiva de bastão como “senhor Gre-Nal” viria no verão de 2018, em um domingo quente como são os domingos sem praia aqui no Rio Grande. Foi um momento tão emblemático que entrou para os registros históricos destes mais de 100 anos de rivalidade. Maicon peitou D'Alessandro no sorteio, antes de a moedinha do árbitro Jean Pierre Lima cortar o ar no Beira-Rio.
– Senhores, vocês sabem que hoje teremos o árbitro de vídeo, certo? – indagou o árbitro.
– Bom, então o D'Alessandro não vai apitar o jogo, como gosta de fazer – ironizou Maicon.
D'Alessandro se enervou, tentou contestar, dedo em riste. Maicon recuou, senhor de si. Ele sabia que, ali, estava tomando conta do jogo. Assim foi até este 2021 em que as dores e as lesões o derrotaram. Houve outros episódios, como o famoso "Quem?" ao responder a uma declaração de Dourado. O volante colorado disse que havia tomado injeção para jogar, enquanto o capitão gremista havia ficado fora por lesão. Em tempos de memes e redes sociais, o "Quem?" virou bordão para os gremistas.
Personagens
A rivalidade Gre-Nal sempre se alimentou de personagens como D'Ale e Maicon. Naqueles anos 1970 totalmente vermelhos, o Inter contava com uma seleção, com nomes como Falcão, Carpegiani e Valdomiro. A sua voz nos clássicos, porém, falava espanhol. Figueroa mandava e desmandava. Mirava o cotovelo no nariz de Tarciso, batia e ganhava. Parecia ele próprio a Cordilheira dos Andes que separava o Grêmio da vitória sobre o eterno rival.
Foi assim até que veio 1977. Telê Santana montou com habilidade de ourives um time para acabar com a agonia azul. Tadeu Ricci veio do Flamengo para ser o craque do meio-campo. André Catimba veio do Guarani com sua malícia e aptidão para o gol. Eurico seria o lateral-direito com a experiência de ter jogado no melhor Palmeiras de todos os tempos. Iúra, que havia sofrido na pele com a hegemonia do Inter, seria o coração do time.
Só que faltava um caudilho. Telê pinçou-o no Coritiba, já quase se aposentando. Oberdan Vilain desembarcou em Porto Alegre e, no saguão do aeroporto avisou:
– A partir de hoje, o Escurinho não cabeceia mais na área do Grêmio.
Assim foi. Escurinho, o herói do último minuto que castigava os gremistas com cabeceios que eram mísseis, passou 1977 sem marcar um golzinho sequer em Gre-Nal, e o Grêmio liderado por Oberdan festejou o Gauchão, apontado por muitos como o título mais importante da história do clube.
É pensando em nomes como Oberdan e Figueroa que causa um calafrio olhar para este 2021 e ver que D'Alessandro e Maicon deram adeus. O Gre-Nal, sem eles, ficou sem dono, sem a voz tonitruante para falar o que as legiões azuis e vermelhas queriam ouvir sobre a maior rivalidade do mundo (para os gaúchos, claro). Quem será o próximo caudilho? Sinceramente, não vejo no horizonte alguém com esse cacife. Até porque, neste 2021 em que tudo passa voando, os próprios jogadores mal esquentam assento aqui. Para virar caudilho de Gre-Nal, é preciso de história nele. Concessão rara atualmente.