Em 1996, o repórter especial de Zero Hora Carlos Wagner viajou 30 mil quilômetros para contar a saga dos gaúchos que colonizaram o oeste do Brasil e fizeram daquela porção do país, esquecida até os anos 1970, uma das mais pujantes. O Wagner até voltou anos depois para conferir como estavam alguns personagens daquela série.
Pois agora, no final da segunda década do século, a saga gaúcha se reproduz em outro campo, o da bola. O Nova Mutum EC se prepara para disputar a final do Campeonato Mato-Grossense — com um time quase todo formado por gaúchos. Do diretor-executivo ao massagista, passando por jogadores e comissão técnica.
A história do Nova Mutum se assemelha muito à contada pelo Wagner na série de reportagens, que inclusive virou livro. O clube foi fundado por um gremista, Valdir Doilho Wons, e disputava competições amadoras até o final de 2018. Valdir morreu em setembro daquele ano, enquanto assistia a uma partida de futsal. A partir daí, amigos se imbuíram da missão de realizar aquele que era o sonho dele, de profissionalizar o clube. Para isso, contaram com uma migração gaúcha.
Garimpo
Começou pelo diretor-executivo Farnei Coelho, ex-São Paulo-RG. Depois, chegou o técnico, William de Mattia, o Dema, um ex-jogador que é catarinense, mas tem trajetória no nosso Interior. O atual time tem sua base garimpada aqui no Estado. O goleiro Gabriel jogou o Gauchão no São Luiz. O zagueiro Mendonça passou pelo time de transição do Grêmio.
Os laterais Gustavo Nogy e Roger Bastos são rodados aqui no Estadual. Diego Rocha, Fernando e Cristiano Magno vieram dos dois clubes de Bagé. Welder é figura carimbada no Avenida, assim como Jonathan Cabeça, no Inter-SM. Até a estrela do time tem vinculação com o futebol gaúcho. Willians, ex-Inter, chegou há dois meses para ser o líder em campo.
Rivalidade Gre-Nal
Na quarta-feira, o Nova Mutum se garantiu de vez no mapa do futebol brasileiro ao avançar à final do Estadual, eliminando o Luverdense, em um clássico da região. As duas cidades, no norte do Mato Grosso, estão separadas por 90 quilômetros.
Aliás, a rivalidade entre os dois times se dá também pelo coração dos dirigentes. Helmuth Lawisch, fundador e até pouco tempo presidente do Luverdense, é gremista. O paranaense filho de gaúchos Anir Siqueira, presidente do Nova Mutum, é colorado. Com a presença na final, o clube se garantiu na Copa do Brasil e na Série D em 2021.
Soja e milho
O orçamento do Nova Mutum é de R$ 1,5 milhão anuais. Por isso, o trabalho de garimpo feito aqui no Interior pelo executivo Farnei Coelho. Os jogadores são convencidos com dois argumentos: salário em dia e estrutura de primeira, com todos hospedados em hotel da cidade, alimentação inclusa em restaurante locais, academia de primeira linha e um estádio novo, para 2 mil pessoas, erguido em seis meses (batizado Valdir Doilho Wons, em homenagem ao fundador).
A pujança do agronegócio respinga no clube. São cerca de 70 patrocinadores com placas no estádio. As doações de dirigentes, que são empresários ou donos de grandes extensões de terra, muitas vezes vêm em sacas de soja e milho. Que, lógico, são comercializadas em bolsas de negócios locais e viram dinheiro.