Na política, tal como na vida, o tempo é o senhor da razão. O ex-juiz federal Sergio Moro, um dos personagens mais emblemáticos da luta contra a corrupção no Brasil, saiu do governo Bolsonaro antes mesmo de completar dois anos do cargo. Pediu demissão acusando o chefe, com apelos bolsonaristas para que permanecesse, sob risco de o governo implodir.
Bolsonaro pagou pra ver. E não somente resistiu, como ficou mais forte. Desdenhou o ex-pupilo, viu seus índices de popularidade subirem expressivamente a partir de benefícios à população mais carente - em meio à pandemia de coronavírus - e ainda entregou dedos e os anéis a um dos grupos políticos mais fisiologistas do Congresso, carinhosamente homenageado pelo general Augusto Heleno ao ritmo de samba: 'Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão'.
A indicação do desembargador Kássio Nunes para a vaga de Celso de Mello no STF caminha nesta direção. A escolha de Bolsonaro teve aval dos principais líderes do centrão no Congresso. O senador Ciro Nogueira, que é alvo da Lava-Jato desde a gestão Moro, cumprimentou Bolsonaro nas redes: "é considerado um dos desembargadores federais mais produtivos entre seus pares e todos que conhecem a sua trajetória sabem da competência e comprometimento do dr. Kassio Nunes com o seu trabalho".
Curioso lembrar, aliás, que essa mesma vaga chegou a ser oferecida a Moro, quando do convite para que aceitasse ser ministro da Justiça do governo.
O inferno astral do ex-juiz não se encerra do lado bolsonarista. Após cinco anos, a juíza federal Gabriela Hardt, de Curitiba, reconheceu a legalidade das palestras do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, investigadas por Moro na Lava-Jato. Conforme o colunista Robson Bonin, da revista Veja, a magistrada autorizou a liberação de metade dos 9,3 milhões de reais que estavam bloqueados em uma conta do petista. E destacou, admitindo que foram legais as 23 palestras de Lula a empreiteiras que entraram na mira do ex-ministro: "Não houve comprovação de que os valores bloqueados possuem origem ilícita. Deve-se presumir sua licitude".
Moro, que chegou a ser eleito uma das 50 personalidades da década pelo jornal "Financial Times", saiu derrotado em ambos os episódios recentes. Resta saber, a longo prazo, quem pode ser declarado vencedor.