Ele tem o dom de projetar o coração na lente da câmera e ver o que muita gente não é capaz de enxergar. Com a sensibilidade tatuada nas retinas, o fotógrafo Anselmo Cunha, de Porto Alegre, foi um dos vencedores do maior concurso de fotojornalismo do mundo — o World Press Photo —, com uma imagem captada durante a catástrofe climática no Rio Grande do Sul.
Intitulada "Aeronave em pista inundada", a imagem vencedora mostra um Boeing 727-200 encalhado na enchente, com o céu de nuvens carregadas refletido na água, criando uma ilusão de ótica trágica e bela.
A foto foi registrada por Anselmo para a Agence France-Presse (AFP) e correu o mundo. A captação ocorreu de dentro de um helicóptero da Polícia Militar do Distrito Federal, durante um sobrevoo ao Aeroporto Salgado Filho.
— Esperei três horas para conseguir embarcar. Quando vi aquela cena, lá de cima, tive a certeza de que era uma imagem impactante e emblemática, porque mostra a força da natureza subjugando o ápice da tecnologia desenvolvida pelo ser humano. Foi isso que vimos na tragédia — reflete Anselmo, que tem 34 anos e já atuou em Zero Hora.
Ao avaliar o trabalho, os jurados do concurso declararam o seguinte:
"O júri ficou impressionado com a atmosfera assustadora desta imagem, que contribui para uma poderosa narrativa visual dos extremos climáticos surreais do Brasil — alternando entre secas recordes e inundações devastadoras. O enquadramento da aeronave abandonada captura o impacto perturbador das inundações no Rio Grande do Sul, provocando reflexões sobre desastres na sociedade moderna e a fragilidade dos sistemas feitos pelo homem."
Anselmo foi um dos sete vencedores da América Latina na categoria "foto única". Quando soube do resultado, ele publicou um agradecimento nas redes sociais, lembrando que "não é só uma foto".
Nas palavras do autor, "é a história da minha cidade, a história dos lugares que frequento quase que diariamente, a história de um mundo todo que se conecta com a de tantos gaúchos, infelizmente, através de uma tragédia. O mundo todo conheceu o drama que vivemos com a enchente. O mundo todo acompanhou a nossa história".
— Eu realmente fiquei muito emocionado. A carreira de um fotojornalista autônomo não é fácil, mas nunca tive dúvidas da importância do trabalho — diz Anselmo, que atua como freelancer para jornais como AFP e Folha de S.Paulo.
O mais importante da premiação é o sentido por trás dela. O registro da imagem serve, no fundo, para que jamais esqueçamos o que aconteceu. E para que nunca mais se repita.
Enchente
Além da foto de Anselmo, a enchente apareceu em uma outra imagem premiada, da paulista Amanda Maciel Perobelli, da Agência Reuters. A foto retrata, do lato, a água inundando o município de Canoas.