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Um dos mais belos painéis gigantes de Porto Alegre — que corre o risco de ser apagado devido à reforma do prédio do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), ainda sem data para ocorrer — será eternizado no projeto Memórias Negras em Verbetes.
Grafitado na parede lateral do prédio público (onde também funciona a Procuradoria-Geral do Estado), o Mural da Bia da Ilha entrará na lista como parte do patrimônio cultural da cidade.
Inaugurada em janeiro de 2022, a pintura de 65 metros assinada por Mona Caron e Mauro Neri retrata a líder comunitária Beatriz Gonçalves Pereira, conhecida como Bia da Ilha, mãe de santo, moradora da Ilha da Pintada.
Na imagem, Bia carrega nas mãos a planta Justicia gendarussa — popularmente conhecida como quebra-demanda ou quebra-tudo. Nas religiões de matriz africana, o vegetal é usado em banhos, bate-folhas e benzimentos para abrir caminhos e proteger ambientes. É a erva de Ogum e Iansã, orixás guerreiros. Para quem crê, é uma planta de grande poder. Vence tudo.
Depois da polêmica envolvimento o possível apagamento do mural, o Daer informou que a direção da autarquia está aberta ao diálogo para que se busque uma solução para o caso. Ainda que a reforma seja necessária, no momento, não há previsão para a obra, e o futuro do desenho ainda é incerto.
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Sobre o projeto Memórias Negras em Verbetes, Vítor Ortiz, gestor responsável pela iniciativa, explica que o inventário "é muito importante para o reconhecimento do legado da comunidade negra na formação e no desenvolvimento de Porto Alegre".
— O mural representa a ocupação de um extraordinário espaço de visibilidade pública, de um valor simbólico imensurável, e uma homenagem a uma personagem viva dessa história da comunidade negra, a Bia da Ilha, mãe de santo da Ilha da Pintada e educadora popular, figura representativa da luta contra o racismo e pela valorização da cultura afro-portoalegrense — destaca Ortiz.
O projeto
O Memórias Negras em Verbetes – Inventário Participativo de Referências Espaciais, Sociais e Simbólicas é um projeto que busca o resgate e "desapagamento" da presença das populações negras na história de Porto Alegre.
A iniciativa propõe a criação de uma lista de verbetes que representam o patrimônio cultural, personalidades e coletivos negros. Isso se dá a partir de um trabalho de pesquisa conduzido por historiadores, antropólogos e geógrafos, sob a coordenação técnica de Jane Mattos e Pedro Vargas, com a participação ativa do movimento social negro.
Em sua primeira edição, com financiamento da Lei Aldir Blanc, o projeto registrou 50 verbetes e gravou cinco episódios de podcast sobre o tema.
Nesta segunda edição, que conta com recursos da Lei Paulo Gustavo, o projeto pretende produzir mais 50 verbetes e uma nova série em podcast.
Os resultados do projeto podem ser conferidos no site memoriasnegrasemverbetes.com e no Canal Memórias Negras no Spotify Memórias Negras.