Uma das propostas da coluna sempre foi sair do óbvio. Nesta quinta-feira (22), separamos cinco discos, procurando divulgar trabalhos que têm pouca visibilidade. Mas sem fugir das evidências.
Zé Caradípia se reinventa
Ele é um artista do tipo low profile, não fica todo o tempo se mostrando, mas quando vem, vem com tudo. Seu novo disco, oitavo em 40 anos de carreira, mostra isso. Em Os Versos por Dentro, pela primeira vez Zé Caradípia, que é um bom letrista, faz um trabalho só com letras de outros: o já bem conhecido e gravado Raul Boeira, e a nem tão Márcia Barbosa, professora universitária e poeta.
Junte-se sensibilidade e competência com a produção e os arranjos de Marcelo Corsetti e temos uma obra incomum. Fiquei pensando no tanto que já ouvi dele e acho que Caradípia está cantando como nunca. Voz leve, sem contrastes, interpretações que sublinham o que dizem.
E não dizem pouco, pois o conjunto de letras está entre os melhores que se têm ouvido por aqui. Destaco três, como exemplos: Ferrovíamos (Boeira), sobre o fim das ferrovias; Como Era de Costume (Boeira), sobre a crueldade da escravatura, e O Trabalho do Tempo (Márcia), sobre nosso cotidiano de perdas e ganhos.
São letras que dialogam entre si e parcerias musicais felizes, com variedade de abordagens. Tem samba, samba-jazz, bossa nova (o violão de Caradípia é muito bom), alguma coisa que anda por valsa, outra que anda por zamba, outra com ares de xaxado e por aí. E os músicos? Olha: Matheus Kleber, Miguel Tejera, Dani Vargas, Bruno Coelho, Diego Ferreira, Nana Sakamoto, Cristian Sperandir...
Independente, CD R$ 45 pelo Whats (51) 99313-1730. E nas plataformas digitais
Elza Soares: vida após a morte
Ao morrer, com 91 anos, em 20 de janeiro de 2022, Elza Soares recém concluíra as gravações de mais um disco – acho que o 37°. Com o título de No Tempo da Intolerância, o álbum chega hoje às plataformas digitais. São 10 faixas, reunindo músicas dedicadas a ela e músicas feitas por parceiros a partir das anotações de seu diário. É emocionante e uma porrada, no clima de suas gravações de uns 10 anos para cá, instrumentação pesada mas diversa, do samba ao afrobeat, conteúdo político. As letras falam de feminismo, negritude, pobreza, desigualdade social e por aí. São músicas de Rita Lee (Rainha Africana), Pitty (Feminelza), Josyara (Mulher pra Mulher). E suas ideias musicadas por Jefferson Junior e Umberto Tavares.
DeckDisk, em breve também em LP
Antonio Adolfo no tempo da bossa
Antonio Adolfo tinha 16 anos, em 1963, quando montou o Trio 3D para tocar a novidade da bossa nova de forma instrumental. Seus autores preferidos eram Carlos Lyra e Roberto Menescal. De lá para cá, a carreira do pianista e compositor carioca deu muitas voltas e, 60 anos depois, visita o início.
Ele está lançando o álbum Bossa 65, com 10 clássicos de Lyra, Menescal e respectivos parceiros Vinicius e Bôscoli. “Dei um toque contemporâneo aos arranjos, principalmente nas harmonias, regadas pelo jazz, sem perder a essência BN”, resume. Tem Coisa Mais Linda, Samba do Carioca, O Barquinho, Maria Moita, Marcha da Quarta-feira de Cinzas... Entre os músicos, os bambas Lula Galvão, Jorge Helder e Jessé Sadoc.
AAM Music, nas plataformas digitais
Que tal tango, jazz e clássicos?
Blas Rivera é um pianista, saxofonista, compositor e arranjador argentino que estudou nos EUA, viveu na Espanha, andou pelo mundo e escolheu o Rio para viver. Já o violoncelista inglês David Chew, também com carreira internacional, é spalla da Orquestra Sinfônica Brasileira desde 1981.
Juntos, encantam os ouvidos. E acabam de lançar o quarto disco, Back to Bach. Sua combinação de jazz, tango e música clássica é mesmo extraordinária, uma sonoridade alheia a modismos e fronteiras. Das 10 composições, oito são de Blas, como Milonga de San Juan e Valsa pro Chico, e duas de Bach, Prelúdio e Aria. Aqui e ali entram outros instrumentos, como percussão, violão e viola de 10.
Kuarup Musica, CD R$ 45. E nas plataformas
Fábio Jorge canta Aznavour
O cantor paulistano Fábio Jorge é o maior divulgador da canção francesa no Brasil. Filho de mãe francesa, está à vontade nesse repertório. Tanto que às vezes suas interpretações soam até melhores que as originais. É o caso de vários momentos do sexto disco, Aznavour.
As 12 faixas trazem clássicos do grande Charles, como Que C’Est Triste Venise, La Bohème, She, e canções menos conhecidas. Em Comme Ils Disent, Fábio usa o português na parte recitada: “Ninguém tem o direito de me julgar, pois é a natureza a responsável por eu ser como eu sou. Sou um homossexual, como eles dizem”. Perfeitos arranjos e direção musical do pianista Alexandre Vianna.
Independente, CD R$ 59, contato fabiojorgecantor@uol.com.br. E nas plataformas