Sua morte foi o grande destaque das capas dos principais diários das capitais brasileiras. Só notícias excepcionais têm tal unanimidade. E este espaço é exíguo para eu dizer tudo o que sinto por ela, o que aprendi com ela. Dez páginas seriam exíguas. Mil adjetivos também. Registro meu amor e gratidão reproduzindo trecho da segunda entrevista que fiz com ela, em maio de 1983, com uma foto dela posando para minha câmera.
– Às vezes tem pessoas que dizem assim: “Você deixou de fazer rock para fazer música romântica”. Aí eu já acho que é ditadura. Estou de saco cheio de ditadura de política, de MPB, e não se deve fazer ditadura com o rock. A gente muda, eu continuo mutante, vou ser mutante até o fim, porque mutante é aquela coisa que nunca acaba. Então acho isso uma bobagem, coisa daqueles roqueiros meio conservadores, de falar “puxa, por que você não é mais rebelde, por que você agora está mais romântica?”. Aí eu pergunto: escuta, ô, por que não? (Cantando:) Por que não, por que não, por que não? No hay que tener mais ditadura. Acabou, chegou, e o rock tá aí pra gente fazer o que quiser.
A nova tradição de Lucian Krolow
Eu já tinha ouvido Lucian Krolow antes, mas nunca mostrando em extensão o próprio trabalho. Sabia que ele era bom, mas a real dimensão de sua qualidade só tenho agora, ao ouvir Balanço Diferente, primeiro disco solo. Formado em Música pela UFPel, não é somente um grande flautista como um grande arranjador e conhecedor da tradição musical brasileira. Tal conjunto de fatores faz do álbum uma preciosidade, capaz de encantar exigentes críticos do centro difusor dessa tradição, o Rio de Janeiro – onde, aliás, foi gravado. Tem choro, maxixe, samba e mais, mesclando composições de Krolow mais Moacir Santos, K-Ximbinho, Pixinguinha! Ao lado da flauta tem o piano de Fernando Leitzke, o baixo de Guto Wirtti (ambos gaúchos), um timaço de sopros (sax, trompete, trombone, clarone), mais bateria e percussão – todos os nomes estão no encarte. Bom demais.
Independente, CD R$ 30 nas redes sociais de Lucian Krolow
Mais espaço para Sandro Souza
Quando comentei aqui o terceiro disco do cantautor Sandro Souza, disse que precisávamos prestar atenção ao trabalho dele. Agora chega o quarto, Terra Gêmea, reafirmando sua qualidade. E repito: ele merece mais atenção da parte de quem lida com música por estas bandas. Mais espaço. Tendo como base Novo Hamburgo, Sandro é cosmopolita sem deixar de cantar a aldeia. Suas letras, atuais, incisivas, políticas, mostram um artista bem-informado. Uma das mais fortes do álbum, Provocanção, com ar de milonga e a voz de Raquel Leão, diz “há gritos que chamam Gretas”. A longa Terra Gêmea, faixa de abertura, também é ótima, assim como a milonga-pop Do Céu, com o convidado Hique Gomez. Enfim, Sandro é bom desde seu violão e arranjos e tem a seu lado músicos de primeira como Douglas Gutjahr, Calil Souza, Daniel Castilhos e Fábio Alves.
Funcultura NH, CD R$ 40, pedidos pelo (51) 99175-5422
Um romance de Juca Novaes
Compositor paulista de sólida trajetória, entre outras coisas criador do grupo Trovadores Urbanos, vários discos lançados, Juca Novaes agora estreia como romancista. E não vem para brincadeiras. Com um título à primeira vista enigmático, Meio Almodóvar, Meio Fellini é, sem chavão, daqueles livros que capturam o leitor já no início e não o solta mais. O personagem central, jornalista quarentão com um passado de compositor bissexto, trabalha em um escritório de advocacia (Juca também é advogado especialista em direito autoral) e se apaixona por uma jovem colega.
Ela corresponde, mas inseguranças e maquinações sórdidas vão adiando o desfecho. E a música entra a mil nessa “brincadeira”. Cada episódio do livro tem como título frases de letras de canções (“Quero sua risada mais gostosa”, “Hoje você é quem manda”, Meu mundo caiu, e por aí). Imperdível.
Editora Contracorrente, 334 pgs, R$ 72
O guia da produção cultural
No momento em que as políticas governamentais de estímulo à cultura começam a voltar à normalidade, chega à nona edição, aumentada, o já clássico Guia Brasileiro de Produção Cultural – Ações e Reflexões, organizado por Cristiane Olivieri e Edson Natale. Lançado originalmente em 1994 por iniciativa do Sesc de São Paulo, o Guia reúne dezenas de textos e orientações para a confecção de projetos culturais. Antes da parte mais, digamos, técnica, textos/depoimentos alargam os horizontes das possibilidades. Assinados por antropólogos, educadores, cineastas, escritores, jornalistas, músicos, atores. Do mais abrangente, como “cooperativas para produção cultural e artística” ou “contratos com patrocinadores”, ao mais focado, como “direitos autorais” ou “segurança do local”, o Guia não deixa questão sem resposta.
Edições Sesc, 526 pgs, R$ 79 em portal.sescsp.org.br/loja