Tirei 10 dias de férias percorrendo de carro o Uruguai. Não pretendia escrever sobre isso, mas aí resolvi aproveitar o fato de ser esta a última coluna publicada num sábado (as próximas sairão às sextas-feiras) para compartilhar alguma coisa da viagem. Foram 2.350 quilômetros de estradas, entre o campo e o litoral, partindo de Jaguarão, bela cidade histórica onde vive o poeta e compositor Martim César, e retornando pelo Chuí.
Escolhi Tacuarembó para a primeira parada, porque há muito queria conhecer a cidade de 55 mil habitantes, capital do departamento (Estado) com o mesmo nome sonoro, bom de pronunciar. Uma região que lembra bastante o Rio Grande do Sul. Além do mais, é o lugar em que nasceu Carlos Gardel, e na primeira linha dos meus planos estava visitar o museu dedicado a ele. Ok, você poderá dizer que essa "tese" é discutível, pois há quem defenda seu nascimento na França.
Não entrarei na polêmica: os argumentos do museu são, a meu ver, irrefutáveis. Saí de lá convencido. Montado em uma casa de pedra cercada de verde, o museu situa-se na localidade de Valle Edén. Tem dezenas de fotos do astro do tango, reproduções de documentos, alguns objetos e inúmeras páginas de jornais com a repercussão de sua morte trágica, em 1935, aos 44 anos.
Ele é presença dominante em Tacuarembó; o melhor restaurante da cidade está no Hotel Carlos Gardel, todo decorado com roupas e objetos de época. No pueblo de San Gregorio de Polanco, ao sul do departamento, a parede externa de um clube exibe uma pintura da cabeça de Gardel com três metros de altura. A marca de San Gregorio, que se diz um "museu a céu aberto", são pinturas nas casas e muros por artistas relevantes de vários países - em um muro da rua principal, fiquei surpreso ao ver o rosto de Belchior...
Duas fotos no Museu Carlos Gardel o mostram à cavalo, com indumentária gaucha. Ele começou cantando música folclórica, em dupla com um conterrâneo. E tal tipo de música é o que mais se ouve em Tacuarembó, que de quarta a domingo próximos terá seu principal evento, a 30ª Fiesta de La Patria Gaucha, "La fiesta más criolla en el Pago más grande de La Patria".
Onipresente o cartaz da festa está nas ruas, lojas, bares, restaurantes, hotéis, prédios públicos. Milhares de pessoas participarão das gineteadas, desfile gaucho, concurso de comidas campeiras, escolha do "Gauchito" e da "Paisanita", shows de danças e de músicos de carreiras sólidas como Carlos Benavidez, Carlos Alberto Rodriguez, Larbanois & Carrero, a Sinfônica de Tambores. O convidado brasileiro é Gaúcho da Fronteira, na verdade um "doble chapa", pois é meio uruguaio.
Último dia do Carnaval em Montevidéu
Os carnavalescos de Montevidéu orgulham-se de ter "o maior Carnaval do mundo". A brincadeira começou em 25 de janeiro e só hoje está chegando ao fim, com a revelação das agremiações vencedoras de 2016. Durante esse tempo, mais de 20 palcos espalhados pela cidade e um palco móvel mostraram dezenas de shows com as 19 murgas, os seis parodistas, as oito comparsas, os seis humoristas e as cinco revistas que disputam os prêmios e a classificação para o ano que vem. Show, eu disse? Embora também tenha desfiles, o Carnaval se dá nos palcos, em etapas que começam às 20h e terminam pelas 2h da madrugada. Ao fim, todas as agremiações terão passado por todos os palcos - mas os julgamentos são feitos na apresentação da bela concha acústica Teatro de Verano, em meio ao Parque Rodó.
Assisti na semana passada a uma das etapas classificatórias no Velódromo Municipal praticamente lotado. Depois, fui ao Museu do Carnaval, que fica da Ciudad Vieja, quase ao lado do Mercado del Puerto. E, enfim, comecei a entender um pouco do Carnaval de lá. Fora o óbvio das fantasias e da alegria, é bem diferente do brasileiro. O concurso, tendo como princípios a sátira e a crítica, se realiza desde 1910. Nos anos 1950, foi criada a DAECPU (Diretores Asociados de Espectaculos Carnavalescos Populares del Uruguay), responsável pela organização da coisa e que publica um jornal diário no Carnaval. Não dá pra comparar com as escolas de samba. Aqui, milhares de pessoas nas alas; lá, 20 ou 30, como um bloco. Se aqui o centro rítmico é o samba e lá, o candombe, ambos de descendência negra, o espírito final é outro.
Anote uns nomes para conferir no YouTube: Araca la Cana, Cayó La Cabra, La Gran Muñeca, Los Diablos Verdes, Metele que son Pasteles, Los Patos Cabreros, Nazarenos, Yambo Kenia, La Trasnochada