Após ter a extinção suspensa, a estatal Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada) tem um longo caminho para voltar a produzir e quem sabe atingir sua autonomia financeira, gerando receitas que, ao menos, cubram suas despesas. Agora, foi anunciado pelo governo federal um aporte de R$ 220 milhões. Será necessário bem mais dinheiro. Mas para falar desta largada, o Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, ouviu o presidente da Associação dos Colaboradores do Ceitec (ACCeitec), Julio Cesar de Oliveira.
Por onde começar?
A aprovação do plano foi importante. A tentativa de liquidação que durou três anos trouxe muitos prejuízos, principalmente na parte de recursos humanos. Hoje, a Ceitec conta com menos de 100 profissionais. Quando estava em pleno vapor, éramos 200. Colegas estão perdendo na Justiça o direito de voltar a trabalhar na empresa. Pessoas com enorme capacidade e experiência. O plano é possível e bem estruturado, mas só o dinheiro não basta. Precisamos de pessoas.
A fabricação começa quando? Foi dito que será em dois anos, mas corre o risco de o próximo governo não manter a Ceitec.
Há este risco. Nestes três anos, a infraestrutura não teve o cuidado adequado. Não é como tirar uma televisão da tomada, ligar de novo e ela vai funcionar. A indústria de semicondutores é complexa. A previsão de dois anos é para entrar na nova rota de carbeto de silício. Não impede que algumas partes da fábrica continuem fazendo algo do portfólio anterior.
O que, por exemplo?
O portfólio anterior do Ceitec é na parte de identificação através de radiofrequência. O carbeto teria aplicação maior na área de potência, de eletrificação veicular e geração de energia limpa.
A crítica de quem defendia a extinção é de que a fábrica dava prejuízo. Há expectativa de que o início da venda desses novos chips traga autonomia financeira em dois anos, disse a ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos. É possível?
Temos que entender o que está nesses dois anos. O projeto desses R$ 220 milhões é para implantar uma nova tecnologia no país. O breakeven (ponto de equilíbrio de custos) vem depois. Não tem como você comprar máquinas que demoram um ano para serem entregues, instalar do dia para noite, fazer igual padaria, já sair pão e ter a fila do para o pessoal comprar. Não é assim com semicondutores em nenhuma parte do mundo. Então, acho que não é viável pensar em lucro em dois anos.
Como conseguir a mão de obra?
Precisamos de mão de obra administrativa para cuidar dos processos internos - é uma empresa pública -, de mão de obra para a fabricação, cuidar da manutenção, fazer engenharia dos equipamentos e engenharia de processos, fazer desenvolvimento, desenhar os dispositivos. Perdemos praticamente todo o nosso time de design, que está trabalhando para Inglaterra ou Estados Unidos. Estamos em contato com colegas. Alguns entraram na Justiça para voltar, mas depende de cada juiz. Os que voltaram vivem na insegurança, porque a cada julgamento correm risco de ir para a rua. Isso seria o primeiro ponto a ser resolvido e depois pensar em como recompor o que falta.
São áreas de alta tecnologia em que sobram empregos. Por que alguém trabalharia na Ceitec, com outras vagas que dão mais segurança?
Para construir uma coisa nova no Brasil. Esse é o desafio que trouxe pessoas da África e de outros lugares da América Latina. Eu sou paulista e vim pelo desafio. Trabalhava na Sabesp. Vim pelo desafio. Não sei se vocês têm noção da importância que a Ceitec tem para o setor. Trabalhei em São José dos Campos, onde várias empresas e órgãos de governo trabalham com tecnologia. Quando tem anúncio de verbas, a população acha muito bom, porque sabe que aquilo vai trazer valor para a região. Aqui, parece que não é tão clara essa visão. A Ceitec entregou mais de 46 patentes, um dispositivo para fazer a detecção de doenças para dengue e covid. Também fez um detector de câncer em estágios iniciais. Não entendo como não enxergam valor.
Como ser competitivo para fornecer para a indústria de carros elétricos e híbridos e para a de energia solar e eólica?
Nós já temos a infraestrutura e maquinário para a produção de carbeto de silício. A nossa sala limpa está operacional. Temos uma janela de oportunidade, que é pegar esse investimento, colocar no nosso planejamento e começar a executar. Temos estudos que não posso falar por confidencialidade, mas com projeções de mercado para daqui a três anos. Além disso, já estamos conversando com parceiros para não criar nada do zero. Já pegamos uma tecnologia que está com a prova de conceito (que comprova a teoria) feita.
Ouça a entrevista na íntegra:
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Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Guilherme Jacques (guilherme.jacques@rdgaucha.com.br) e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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