Nada é maior nem mais autêntico do que o riso. Ao rir, a alma se desborda e a alegria, mesmo passageira, se aprofunda. O riso vai às entranhas, o metabolismo se modifica e somem até as dores. Rir nos faz ver mais longe, muito além das pequenezes que nos rodeiam.
Quem deteste o riso vive quase sem viver. Não vê o profundo e se contenta com o superficial, pois rir nos leva à realidade das coisas ocultas. Por isto, é impossível entender a estapafúrdia decisão da presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre mandando retirar a exposição em que, nesta Semana da Pátria, 19 caricaturistas festejavam a Independência com uma visão crítica da nossa realidade.
O título da exposição era (ou é) em si mesmo jocoso e inteligente – "Independência em risco", jogo de palavras que pode designar um traço ou um perigo. Até nisto a exposição nos fazia raciocinar, ativando a maior qualidade humana, que é pensar. Alguns poucos, porém, como o vereador Valter Nagelstein, tomaram tudo isso como "ofensivo ao presidente da República", e a presidente da Câmara Municipal interditou a sala e mandou fechar a exposição.
No dia seguinte, em charge neste jornal, Iotti comparou o absurdo ato da vereadora-presidente com a queima de livros, ou o incêndio da inteligência. Sim, pois a humanidade só foi adiante (e superou os outros seres) porque soube criticar-se a si mesma, apontando erros e equívocos.
Só os déspotas e tiranos se creem iluminados, sem perceber que não chegam sequer a uma vela derretida. O que restou de Hitler e Stalin, aos quais ninguém contrariava ou criticava?
O riso da caricatura ilumina ao revelar o que os déspotas escondem. A ironia caricatural tem mais poder, até, do que a análise dos filósofos ou sociólogos. O cinema de Chaplin desnudou a injustiça, a desigualdade e o crime mais além das correntes filosóficas.
Quem se anima a proibir os filmes de Chaplin?
***
O disparate nos domina enquanto crescem os problemas concretos. Na democracia, os vereadores devem ser os intérpretes diretos do povo, saindo à rua em busca dos problemas do município.
Aqui, porém, o narcotráfico e a droga se agigantam. Passam dos bairros (como o Rubem Berta e outros) ao centro da Capital, mandam desocupar casas, cobram "pedágio" ao comércio e moradores. Ou impõem "castigos", como no incêndio da Galeria Malcon, sem que os vereadores (e o prefeito) tentem sanar a tragédia.
Só há interesse em proibir o diálogo que nasce na crítica que o riso aprofunda?
Dirão que "segurança" é atribuição "estadual", não municipal, sem pensar sequer numa ação conjunta da Brigada e da Polícia Civil com a população. Nem no lixo que se acumula nos bairros e suja até escolas, sem que se esbocem medidas educativas. E a água, ameaçada pela futura degradação do Guaíba devido à mina de carvão?
Só há interesse em proibir o diálogo que nasce na crítica que o riso aprofunda?