A invencionice e o preconceito são irmãos siameses. Gerados no colorido ventre da ignorância, transformam a fantasia em dogma incontestável. Agora, após a eleição, os preconceitos explodem pelo país, numa perigosa guinada rumo ao absurdo que pode exterminar, até, os valores éticos que ainda nos restam.
O presidente eleito forma, logicamente, um ministério à sua imagem e semelhança, conservador como os que nele votaram. Mas, até para não perder antecipadamente a autoridade, Bolsonaro não pode cultivar e se dobrar à ignorância em cores do preconceito, como ocorreu com o futuro ministro da Educação. Convidou o educador Mozart Neves, diretor do Instituto Ayrton Senna, ex-reitor da Universidade e ex-secretário de Educação de Pernambuco, mas voltou atrás porque a chamada "bancada evangélica" o considerou "um perigoso esquerdista", adepto da "escola integral" implantada por Leonel Brizola no Rio de Janeiro.
Mozart seria fiador de uma visão educacional conservadora mas sã, sem perseguir professores nem trancafiar alunos na estreiteza da chamada "escola sem partido", que é partidária em si. Mas os deputados das igrejas pentecostais são uma "bancada à parte" e vetaram o futuro ministro.
Nada disto, porém, supera os explosivos conceitos do futuro ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Diplomata de carreira (mesmo sem ter chegado à função maior de embaixador) integra uma respeitada corporação de elite - o Itamaraty - mas tem ideias confusas e disparatadas sobre o mundo.
Em seu "blog", alega que as mudanças climáticas são invenção da esquerda, ou "do maoísmo" para dar à China o domínio do mundo… Textualmente afirma: "A esquerda sequestrou a causa ambiental e a perverteu até chegar ao paroxismo nos últimos 20 anos com a ideologia da mudança climática, o climatismo".
Se o futuro ministério continuar nesta linha, os dicionários terão de mudar a acepção de preconceito e ignorância para taxá-los de sabedoria e virtude em cores.
***
Aldyr Garcia Schlee nos deixou há uma semana, mas já faz falta, e não só por seus livros. Como desenhista, redescobriu o amarelo (antes "cor de intriga") e nos deu a camisa "canarinho" da seleção, substituindo a branca com que perdemos a Copa de 1950 no Maracanã. Nos idos da ditadura direitista, quando indagaram que cor daria se desenhasse de novo a camiseta, respondeu:
– Seria marrom, só marrom!
Talvez desenhasse em marrom agora, não pela seleção, mas pelo incerto futuro político do país.