Entre 1997 e 2005, Franco Moretti publicou dois livros que revolucionaram a maneira como se estuda literatura – e iniciou uma polêmica que dura até hoje. Em Atlas do Romance Europeu (1800-1900) e A Literatura Vista de Longe (lançados no Brasil, respectivamente, pela Boitempo e pela Arquipélago), o critico italiano propôs analisar as obras não a partir de uma leitura detalhada das minúcias da linguagem, como sempre foi o ofício da crítica, mas por meio de uma visão panorâmica da geografia dos espaços em que a ação se passa, dos padrões de palavras que se repetem nos livros de uma mesma época e outros recursos quantitativos. Seu método ficou conhecido como “leitura distanciada”.
Durante muito tempo, Moretti, que fez carreira na Universidade de Stanford, foi uma figura solitária em sua empreitada. O método encontrou resistência de muitos que achavam um descalabro estudar literatura usando recursos estatísticos, sem precisar realmente ler os livros. Mas essa é uma visão distorcida de sua proposta. É preciso conhecer profundamente os textos literários no antigo modo do “sente e leia” para saber o que buscar com os métodos quantitativos.
Nos últimos 10 anos, a tecnologia evoluiu de modo a expandir o método que Moretti criou. Desde 2010, o Literary Lab de Stanford, fundado por ele, reúne pesquisadores que combinam crítica literária e ciência da computação para entender os grandes padrões que regem a ficção. Não é um trabalho fácil unir humanas e exatas. Até pouco tempo atrás, um jovem aspirante à universidade deveria escolher entre uma ou outra. Agora, uma nova disciplina foi criada: as Humanidades Digitais.
Embora incipiente no Brasil, a leitura distanciada – ou crítica computacional, como também é chamada – tem encontrado cada vez mais praticantes e se institucionalizou em diversas universidades no Exterior. Técnicas avançadas de aprendizado de máquina têm sido empregadas para identificar os colaboradores das peças de Shakespeare, chegando ao pormenor de indicar que versos foram escritos por quem. Nos próximos anos, com o crescimento do número de pesquisadores e com a expansão do poder computacional, novos conhecimentos serão gerados e outros tantos serão confirmados com dados.
Significa que os robôs substituirão os críticos? De modo algum. A crítica literária tradicional, baseada na leitura feita por humanos, continuará sendo praticada em todas as suas manifestações. Mas o subgênero da crítica computacional vai trazer insights que podem mudar o entendimento sobre o fenômeno literário. E não esqueçamos que não são os computadores que analisam textos, mas os humanos que utilizam as máquinas como ferramenta para isso. Os acertos e os erros continuarão sendo dos pesquisadores, não dos algoritmos.